As premissas deste romance aparentam estar em contracorrente com as das narrativas contemporâneas: uma criança, que quer ser santa, aspira a arder como sarça ardente, à semelhança das figuras beatificadas e da freira carmelita Teresa d’ Ávila (1515-1582) que ela admira? Mas este detonador teológico ganha velocidade, curvas acrobáticas, elipses, final herético. Como grande atleta literária que é, Luísa Costa Gomes faz deste rosário demodé uma lição de alto nível narrativo e um esboço ácido da paisagem coletiva. Teresa Maria, filha da burguesia infeliz, atravessa o deserto da infância sob influência divina: “Deus sabe [tudo] mesmo que tu não saibas.” Sabe, por exemplo, que Teresa castiga Serena, ou que se entrega às transgressões do primeiro amor com Rafael, ambos filhos da criada da casa. O rapaz acaricia-a, ela “finge que não está, finge que não sente, para deixar que lhe mexa por dentro e sinta ele, culpado e condenado à solidão, o que é estar pregado numa cruz”.
Teresa é uma conduta reveladora das disposições católicas bem enraizadas num País que, no caminho para a modernidade, esqueceu como as obediências beatas o definiram. “Viver era ser avaliado, todos os dias, a qualquer hora.” A luz angelical há de ser trocada por rebeldia e repúdio. Adulta, profere invetivas sobre “padrecos de merda” e o “poder que têm sobre as pobres das pessoas para as trazerem aterrorizadas com pecados imaginários”. Os amigos espantam-se: “Hã? Não será ainda uma herança do colégio das freiras, esse amor e compaixão pelas coitadinhas das pessoas? De ir ao bairro de lata entregar cabazes? (…) Ninguém quer ir por aí, é demasiado violento, é horroroso, ficou na noite da infância.” Luísa Costa Gomes tem boa memória.