Este é mais um sintoma (grave) de uma doença que há anos assombra o catalão Enrique Vila-Matas: a literatura. A sua obra (sobretudo desde o início deste século) não dispensa essa autorreferência em jogos mais ou menos complexos com a própria ideia, e prática, da literatura. Em Bartleby & Companhia (2001), que inaugurou uma nova fase na obra de Vila-Matas, o tema era o dos escritores que não escrevem; logo a seguir, em Mal de Montano (2002), esse “mal” do título definia-se precisamente como uma obsessão quase patológica com a literatura… O livro, como muitos outros do autor, ganhava a estrutura de uma espécie de diário.
Isso volta a acontecer neste Mac e o Seu Contratempo. Numa Barcelona atingida tanto por uma onda de calor como pelos sinais da crise no Sul da Europa (mendigos e vagabundos pontuam estas páginas, no ficcional bairro do Coyote), um ex-advogado dedica os seus dias a tentar tornar-se um escritor iniciado. Rapidamente essa tentativa se transforma num desafio: reescrever, melhorando-o, um livro antigo, Walter e o seu Contratempo, de um vizinho seu, escritor, o enfatuado Sánchez. Esse romance leva-nos à personagem de um ventríloquo que “lutava contra o grave contratempo de, numa profissão como a sua, ter uma única voz, a famosa voz própria por que os escritores tanto anseiam e que, para ele, por razões óbvias, representava um problema”. Um ventríloquo que há de passar por Lisboa (cidade que tem uma presença recorrente nos livros de Vila-Matas) e onde cometerá um crime…
Este mecanismo permite que o tema central de Mac e o Seu Contratempo seja a “repetição” na literatura – ou na vida, o que no universo de Vila-Matas vai dar ao mesmo.