
Todas as expedições arriscadas têm guias. Para entrar neste livro, lugar incerto que baralha as bússolas literárias, aposte-se nas palavras de Enrique Vila-Matas, outro desbravador de territórios ficcionais instáveis: “Neste assombroso Irmão de Gelo [Alicia] Kopf narra como nos expomos ao risco e à solidão de uma expedição polar, quando tentamos abrir novos caminhos na escrita.
Para Kopf, a arte contemporânea distingue-se pela necessidade de ampliação de fronteiras e limites, algo que não acontece, por exemplo, no limitado âmbito narrativo espanhol.” Artista plástica e escritora (premiada em ambas as disciplinas), criou uma narrativa-processo, em que a própria caminha sobre uma película de gelo fino − um estado de espírito confessado. O leitor, esse, atravessa uma paisagem de elementos díspares, distante de uma narrativa convencional: Irmão de Gelo tem desenhos, notícias, entradas diarísticas, imagens meteorológicas, fotografias, apontamentos científicos, frases desgarradas – e uma candura límpida.
Como se não bastasse a ventania formal, a autora navega entre o ensaio narrativo e o álbum autoficcionado – mas Kopf garante que esta não é uma obra autobiográfica. Há, aqui, um irmão autista, alguém encerrado num mundo subterrâneo, como nessa teoria de John Cleve Symmes, descrita nas primeiras páginas: a de que a Terra tinha dois buracos nos extremos que comunicavam entre si. “Se fosse possível chegar ao polo, ter-se-ia ao alcance todo um universo interior”, lê-se. E as metáforas continuam: “Os exploradores polares do início do século XX eram místicos à procura do Santo Graal.” E ainda: “Como tornar visível o invisível é uma pergunta pouco frequente para um explorador e muito frequente para um artista.” A criação do objeto arte, a compreensão de um autista, as primeiras expedições aos polos? Há em todas um mesmo gesto cristalino – a conquista de algo fugidio.

Irmão de Gelo (Alfaguara, 224 págs., €17,50) culmina o projeto multidisciplinar de Alicia Kopf, que incluiu uma exposição feita com o material recolhido para a sua tese de doutoramento transformada, aqui, numa narrativa sobre as históricas explorações aos polos