Em What If…, a canção que fecha o novo disco dos The Gift, aparecem estes versos: “the towers are so high/the hours are so few”. Retirados do contexto da canção servem às mil maravilhas como lema para a banda de Alcobaça: há muito para conquistar e pouco tempo para o fazer – por isso, ao trabalho! É, na verdade, o que a banda tem feito desde o seu aparecimento, há mais de duas décadas. E têm-no feito seguindo o caminho que desde o início definiram: edição independente, controlo em todos os processos, da criação à promoção e aos concertos. Continuam a fazê-lo, alegremente imunes a preconceitos de alguma crítica bem-pensante, que os relega para uma espécie de superbanda de província; continuam a fazê-lo sempre com o objetivo a que se propuseram: serem melhores, de disco para disco. E, por esta altura, só com alguma má-fé é possível dizer o contrário.
Altar (2017) pode mesmo ser um disco de viragem para os The Gift. Não porque com ele tenham atingido o êxito entre o público, algo que já fizeram e mantêm, com um culto fidelíssimo; mas porque anuncia uma nova sonoridade que, respeitando a matriz da banda, é diferente. O principal suspeito é um sonho antigo dos músicos: Brian Eno e a sua produção. As canções ficam com os arames eletrónicos mais à mostra, mas não perdem um grama de consistência. A mistura entre a visão de Eno e o modo de composição de Nuno Gonçalves encaixa-se na perfeição. I Loved It All é um excelente exemplo: uma nota insistentemente repetida, uma melodia vocal contida e a música de súbito a abrir-se como uma flor num refrão magnífico, ajudado por um arranjo de cordas luxuriante. Mas há muito mais neste Altar: o tema irresistível que é Big Fish, a lembrança do synth pop em Clinic Hope, o bem eniano Love Without Violins, o electro-gospel de Malifest (bem antecipado no disco pelo tema Vitral), as quatro últimas canções, mais intimistas, mais perto do osso e do coração.
Sónia Tavares continua a ser uma excelente front woman que parece cada vez mais querer testar os seus limites. Com Altar, os The Gift alcançaram outra vez a ambição de quem anda nisto da música popular: acrescentarem-se a eles próprios e a nós.
Veja o vídeo de Big Fish