Garibaldo (a escolha do nome não é inocente, já lá iremos) está sentado na capela onde se faz o velório do pai. Via-o “estendido no caixão, de braços cruzados sobre o fato de casamento”, ainda a sorver o momento daquela ausência. Mas o pai “viria em seu auxílio”, escreve o autor: “Sentou-se, puxou do relógio de bolso e disse: ‘Ainda temos algum tempo’”. O defunto puxou então de meio charuto e gastou essas últimas horas como uma assombração à conversa com o filho, no último momento antes de partir. A conclusão deste episódio com que começa Praça de Itália é dada, na verdade, logo na primeira frase: “A única coisa que Garibaldo não conseguia compreender da vida era a morte”.
Tabucchi iria habituar-nos, mais tarde, ao jogo com o tempo: da vida e da morte, da cronologia rigorosa às armadilhas que nos pregam os sonhos, o real e o imaginário. Praça de Itália, publicado em 1975, ainda não tem as piscadelas de olho do autor a Portugal, que conhecia desde os 22 anos e ao qual se ligaria para sempre depois de ter descoberto um poema de Pessoa enquanto estudava na Sorbonne.
Antonio Tabucchi (1943-2012) iria casar-se com uma portuguesa, entusiasmar-se a escrever sobre Pessoa e outros seus (de Pessoa…) compatriotas. Mas a alma deste transalpino nunca deixaria de ser errante, um pouco como a estrutura deste livro que narra a saga de três gerações de uma família de anarquistas libertários – à semelhança de Garibaldi, herói nacional responsável pela unificação da Itália, no século XIX – que se mede de forças com a autoridade, a História e a (des)ordem do tempo. A presença do duplo é também uma constante, como viria a ser noutros momentos do trajeto literário de Tabucchi (O Jogo do Reverso e o Noturno Indiano, por exemplo).
E o que há a fazer para nos resgatar das amarras do tempo, da nossa finitude? A resposta de Tabucchi, quando falava desta obra, é novamente simples e agregadora: “Este livro é memória, uma longa memória que se opõe à memória breve dos mass media. Eu acreditei sempre na literatura como memória”.
Praça de Itália (D. Quixote, 168 págs., €14,90), agora reeditado, é o primeiro passo da obra extensa de Antonio Tabucchi e traz-nos uma saga familiar no contexto da História italiana