Olhe-se ao espelho. O que vê? Uma “jovem senhora interessante”? Ou uma “jovem senhora misteriosa”? Agora o senhor, como obriga a etiqueta. O que vê no reflexo? Um “jovem cavalheiro predileto das jovens senhoras”? Ou um “jovem cavalheiro fanfarrão”? Segue-se o casal, que pode partilhar o espelho ao mesmo tempo e tentar decifrar no rosto um do outro o seu significado mais essencial: estamos perante um “casal apaixonado” ou um “casal contraditório”?
Não, não se pretende aqui fazer um tratado de narcisismo. Quem está do outro lado do espelho e pode, pelo passe mágico da literatura, ver toda esta galeria de personagens são dois autores. Um deles, bem conhecido por clássicos da envergadura de Oliver Twist ou Tempos Difíceis, dispensa apresentações. Além dessas histórias trágicas, que refletem tempos que ontem se observavam na Inglaterra industrial e hoje se poderão verificar em fábricas da China ou nas propriedades agrícolas portuguesas, Charles Dickens assinou obras de teor satírico. Sob pseudónimo, discorreu na imprensa inglesa, entre 1837 e 1840, sobre jovens cavalheiros e casais, em resposta aos Retratos de Jovens Senhoras.
E aqui entra o segundo interveniente desta recolha de retratos. Edward Caswall tinha definido estas jovens senhoras também sob pseudónimo, antes de se dedicar a uma carreira eclesiástica e a um bom punhado de hinos religiosos pelos quais é mais conhecido. A estranha aliança entre os dois autores é feita com ilustrações de Phiz, que já havia ilustrado Os Cadernos de Pickwick, outro marco satírico de Dickens.
O resultado é um passeio pelos maneirismos da sociedade britânica quase ao estilo do que definiríamos hoje pela linguagem da National Geographic (ou como se David Attenborough tivesse talentos literários e humorísticos). Algumas passagens, como a da “jovem senhora historiadora natural”, podem tornar-se inesquecíveis. Caswall adivinhava, com este retrato, como o apego à natureza podia revelar- -se contraditório e até cruel…
Retratos de Jovens Senhoras, Cavalheiros & Casais (Pim! Edições, 200 págs., €15,50) é mais um exemplo da verve satírica de Charles Dickens e segue-se à publicação, em português, dos Cadernos de Pickwick