“’Ó avozinha, que disparate! Nas histórias para crianças é que há lobos… Isto é a vida real, avozinha, acorde. Na vida real não há lobos à solta a atacar as meninas que vão para a escola…’ E troçando dos receios da avó: ‘A não ser que a escola seja no Jardim Zoológico…’”. A segunda edição da narrativa criada por Manuel António Pina, em 2005, a partir de seis pinturas a pastel da artista plástica Paula Rego, é lançada esta quarta, 7, na Livraria de Serralves, no Porto (€19,90). O livro parte do conto da tradição oral, escrito pela primeira vez por C. Perrault (1697) e, mais tarde, pelos irmãos Grimm (1812), mas é uma reciclagem da velha história tendo em conta os dias de hoje.
Sara Reis da Silva, professora universitária de Estudos Integrados de Literacia na Universidade do Minho, autora de um estudo sobre a obra e que estará presente no seu relançamento em Serralves, lembra que, neste livro, existe “a noção de que um texto interage com a tradição, com essa espécie de ‘biblioteca coletiva’ que o leitor guarda em si e que lhe possibilita a identificação e a colocação em diálogo de referentes literários variados”.
Neste caso, e ao contrário do que habitualmente acontece, foi o escritor que partiu das ilustrações de Paula Rego para criar o texto. Os desenhos da artista plástica (de 2003), em pasta sobre papel, “são dominados por figuras humanas quase todas grosseiras (com a exceção do Capuchinho) a tocar, por vezes, o grotesco – que é, aqui, o belo – e das quais sobressaem a dureza, a secura e a violência das expressões faciais e corporais”, sublinha Sara Reis da Silva.
Neste livro, realça ainda a professora universitária, tratam-se questões tão atuais como “a insegurança nas cidades, o perigo, o medo, a pedofilia, a sexualidade, a desagregação familiar, o caráter absorvente da carreira profissional, uma certa banalização da morte, a vaidade e a tensão permanente entre a essência e a aparência”.
Em resumo, conclui a autora do estudo, esta obra, que agora volta a ser reeditada por Serralves, traz-nos “uma qualidade literária, uma dimensão ética, ensaiando-se uma reflexão sobre a atual condição humana, um apelo contra a alienação e a favor da limpidez do olhar e do ser”.
Livraria de Serralves > Museu de Arte Contemporânea de Serralves > R. D. João de Castro, 210, Porto > T. 22 615 6500 > 7 dez, qua 19h