Começou a ser pensado em 1988, foi publicado originalmente no Brasil em 1990 e chega a uma edição portuguesa em 2016. Sem acusar a passagem do tempo. Talvez faça sentido, por isso, falarmos de um clássico. Chega de Saudade é, pelo menos, a mais completa história (e explicação) de um género musical que saiu de uns poucos apartamentos do Rio de Janeiro para se espalhar por todo o planeta.
Ruy Castro atira-se à tarefa de seguir todas as pistas que levaram à “invenção” e afirmação da Bossa Nova com o rigor de um historiador, a curiosidade de um jornalista, a persistência de um detetive e o talento de um escritor com voz própria. Esta viagem ao mundo da Bossa Nova consegue ser, quase sempre, um verdadeiro page turner, que nos leva por lugares, personagens, escândalos e enredos. Como um romance, apetece dizer, como se acrescentasse alguma coisa e não soubéssemos já todo o infinito potencial da realidade.
Quem não for especialista no assunto (quase todos, portanto) vai surpreender-se ao encontrar por aqui muitas personagens de que nunca ouviu falar (um tal Raimundo, um tal Ronaldo, um tal Luís Telles… muita gente). João Gilberto anda sempre por aqui, claro, mas esta não é uma biografia como aquelas que o autor fez, depois, do escritor Nelson Rodrigues e do futebolista Garrincha. Começamos por encontrar Joãozinho da Patu em Juazeiro, Bahia, nos anos 40 do século passado onde seu Emicles enchia as ruas de música através de um altifalante pendurado num poste. E assistimos a todo o seu percurso desde aí, passando por esses momentos de “frustração pelo facto de o mundo não se ter comportado de acordo com os seus planos”.
E como este Chega de Saudade (tão óbvio, mas tão certeiro o roubo do título do primeiro álbum de João Gilberto, editado em 1959) não é mesmo um romance, não há qualquer problema em contar o final, sem necessidade de um spoiler alert: “A Bossa Nova, sentindo-se fora de casa, pegou seu banquinho e seu violão, e saiu de mansinho. Felizmente tinha para onde ir: o mundo.”
Chega de Saudade (Tinta-da-China, 498 págs., €24,90), com o subtítulo “a história e as histórias da Bossa Nova”, não é um livro de uma nota só. Cheio de boas personagens, é uma viagem no espaço e no tempo.