Pandora tentou resistir mas o apelo daquela caixa fechada que, como o abismo, também lhe devolvia o olhar, era impossível de ignorar. Moral da história: a caixa foi aberta, as pragas foram libertadas no mundo, a curiosidade ganhou má fama – e, dizem, mata gatos como uma bactéria invencível. E, no entanto, recorda-nos Alberto Manguel, autor canadiano-argentino que, na sua juventude, desempenhou o ofício de leitor para um Jorge Luis Borges já cego, e autor do maravilhoso e enciclopédico Dicionário de Lugares Imaginários, uma das primeiras coisas que aprendemos, em crianças, é o “porquê”. Esse “porquê”, sublinha, é “pergunta assaz mais importante na sua formulação do que na expetativa de uma resposta”. “Talvez toda a curiosidade possa ser resumida na pergunta de Michel de Montaigne, ‘Que sais-je?‘, ‘Que sei eu?'”, escreve. Inspirada no “conhece-te a ti mesmo” socrático, a premissa é “não uma afirmação existencialista da necessidade de sabermos quem somos, mas antes um estado contínuo de questionamento do território pelo qual a nossa mente avança (ou já avançou) e da terra desconhecida que nos espera”. Uma mola que alimenta ciência e cultura. Nas primeiras páginas de Uma História da Curiosidade, Manguel invoca Darwin, para quem a imaginação humana é um instrumento de sobrevivência; Beckett, lapidar (“Falhar. Tentar outra vez. Falhar melhor”); Manúcio, o Jovem, que, em 1566, publicou um manual de pontuação para tipógrafos que incluía um ponto de interrogação. Mas esta investigação é, de facto, uma peregrinação pessoal – um testamento? –, para a qual ele convoca companheiros de viagem como Diderot, Shakespeare, Stevenson, Heraclito, Virgílio, Primo Levi, Dante. A este, foi buscar A Divina Comédia, obra em que revê a experiência humana universal, e que sustenta o livro, dividido em 17 perguntas-capítulos como “O que queremos saber?”, “O que fazemos aqui?” ou “Porque é que as coisas acontecem?”. É que mesmo quando há perguntas irrespondíveis, a vida – e a literatura – é melhor vivida quando é interrogada.
Uma História da Curiosidade > Alberto Manguel > Tinta da China > 400 págs. > €24,90