Tudo respira História no Hotel Britania, e não é para menos. Corria o ano de 1944 quando, a 13 de outubro, se inaugurou com pompa e circunstância aquela que seria uma das unidades hoteleiras mais inovadoras e luxuosas da cidade de Lisboa, o Hotel do Império, então propriedade do industrial Joaquim Ribeiro de Almeida. À data, ter quartos espaçosos com saleta, casa de banho, telefonia, secretária e máquina de escrever era um luxo.
Oitenta anos depois, são a arquitetura do edifício, ao estilo art déco, fielmente mantida, e as histórias de hóspedes célebres que cativam quem escolhe aqui ficar. A memória descritiva do projeto do arquiteto Cassiano Branco mostra-se numa parede junto à receção. O desenho incluía uma belíssima porta de entrada de vidro e ferro que só em 1997 seria instalada no edifício, graças ao trabalho dos atuais proprietários, entre os quais, o casal Luís e Ana Alves de Sousa.
O mármore do chão reluz a cada passo e para onde quer que nos viremos, o olhar detém-se nos pormenores deste quatro estrelas da cadeia Heritage. Do mobiliário de linhas retas aos lustres de bronze e detalhes cromados ou à mesa de mármore no centro do hall, adornada com uma esfera armilar, obra do escultor Charters de Almeida que veio substituir a peça original em bronze, que desapareceu.

Em vitrines, mostram-se peças do espólio inicial do hotel, como a porcelana Vista Alegre, e a memória da antiga barbearia mantém-se numa pequena sala, com alguns dos objetos originais. “Quando o hotel ficou nas nossas mãos, nos anos 70, tinha desaparecido o arquivo, assim como várias peças do hotel. Os frescos do bar e da receção, e o chão, estavam tapados com madeira e alcatifa”, conta Ana Alves de Sousa, que ajudou no levantamento histórico.
Serões animados e jogo clandestino
O esplendor foi sendo recuperado ao longo dos anos. Várias intervenções trouxeram de volta o mármore, o chão original dos quartos feito em cortiça pela Fábrica Mundet, o mobiliário fabricado pelos Móveis Costa, o lanternim da sala da biblioteca, onde se toma o pequeno-almoço até ao meio-dia, os símbolos do antigo império pintados no bar, que se apreciam entre um café ou um cocktail, e também as memórias de hóspedes ilustres.

Dos 35 quartos existentes, o número 13 é dedicado a Natália Correia, que aqui escreveu a peça O Encoberto e promoveu tertúlias e animados serões culturais, durante os cerca de 30 anos em que o seu marido, Alberto Machado, foi gestor do hotel. A atriz espanhola Carmen Sevilla hospedou-se no Britania em 1954, aquando da estreia do filme Violetas Imperiais no Cinema Odéon, e é homenageada no quarto 44. Ao compositor brasileiro Vinicius de Moraes dá-se destaque no quarto 24. Quem tiver a sorte de nele pernoitar descobre o poema Lisboa Tem Terramoto, que terá escrito no hotel na noite do sismo de 28 de fevereiro de 1969, assim como outras referências da sua obra.

As curiosidades sobre o Britania sucedem-se a cada quarto ou lance de escadas. Prefira-se explorá-lo a pé, ao invés de entrar no elevador, para dar conta, por exemplo, da escultura que inicialmente adornava a entrada do hotel. No último andar, chegou a funcionar um casino clandestino, onde o ator Omar Sharif jogou. Neste piso recuado, transformado em quartos em 2005, faz-se nova homenagem com a Suíte dos Escritores.
Mais do que um hotel, o Britania é um elemento privilegiado da História de Portugal e de Lisboa. “A alma do Britania são as pessoas e o serviço que prestam. Há um misto de orgulho e vaidade, porque conseguimos devolver-lhe a identidade e fazer uma coisa em que ninguém acreditava na altura, isto é, rentabilizá-lo”, diz Luís Alves de Sousa. Aos 80 anos, segue cheio de charme e de portas abertas ao mundo.
Hotel Britania Art Deco > R. Rodrigues Sampaio, 17, Lisboa > T. 21 321 8200> a partir de €125
Cassiano Branco moderno: Outras obras do arquiteto nos arredores do Hotel Britania
Cine-Teatro Éden (1937)

Do edifício, hoje transformado em hotel, destacam-se as escadas e o foyer, já que a fachada não é da sua autoria. Pç. dos Restauradores, 24
Hotel Vitória (1934)

Reconhecível pelas suas varandas curvas, é desde 1976 a sede do Partido Comunista Português. Av. da Liberdade, 170
Junta Nacional do Vinho (1940-41)

O conjunto arquitetónico, unido através de um pátio murado, inclui o edifício principal datado do século XIX e a construção da autoria de Cassiano Branco. R. Mouzinho da Silveira, 5