O ano de 2020 levaria o Portugal Manual a correr mundo. “Ia ser muito interessante, mas foi tudo cancelado pelas razões que conhecemos”, conta Filipa Belo, fundadora e curadora desta plataforma que promove o novo artesanato português. “Tínhamos dois eventos em São Paulo e, pela primeira vez, saíamos do Brasil para irmos até Londres, à London Craft Week, a Paris e a Lisboa, onde faríamos um mercado no Centro Cultural de Belém.” A maior parte das iniciativas ficou adiada para 2021, mas entretanto surgiu a oportunidade de abrir uma loja pop-up, dentro das bilheteiras do CCB.
A história da Portugal Manual começa em 2018, no Brasil, para onde Filipa Belo se tinha mudado, um ano antes, com a família. “Quando aqui cheguei, senti que ainda viam o nosso artesanato de uma maneira muito obsoleta, no sentido de um objeto ultrapassado.” A representação de Portugal em várias iniciativas era feita por marcas da indústria, como a Vista Alegre. “Não que estas não sejam importantes, mas somos mais do que isso. Estamos a fazer tanta coisa boa. Há pessoas a resgatarem o saber-fazer, a apresentá-lo de uma forma renovada e a mostrar que é possível fazer à mão e numa escala mais pequena.”
A experiência profissional dos últimos anos em Lisboa, onde trabalhou na Organii, empresa de cosmética biológica, tinha deixado uma semente. “Organizei a primeira edição do Organii Eco Market na qual conheci algumas das marcas que viriam a integrar o Portugal Manual.” Foi o caso da Margarida Fabrica, da Sul, da designer Dória Osório, e da Patricia Lobo Ceramics, cujo trabalho com materiais como a pele e o barro admirava. Convidou-as a integrar o projeto, mas sabia das dificuldades. “Vivem do trabalho de uma ou duas pessoas, em que a que está a produzir é a que trata das redes sociais e procura a matéria-prima. A falta de recursos impede-as de mostrar-se fora do País.” Começou por criar um site, na altura “ainda muito rudimentar”, diz, e registar o nome Portugal Manual. “Era isso que eu queria retratar, um país atual, moderno, e manual, porque é de trabalho artesanal que se trata”, salienta.
Também era importante voltar a dar destaque à palavra artesão. “Este novo artesão é qualificado, incorpora o design na sua técnica e explora-os de forma diferente. Daí aparecem peças completamente disruptivas. Não deixa de ser artesanato, é cultura e tradição que se renova.” E dá dois exemplos. A Capucha pegou num agasalho tradicional feito em burel, usado pelos pastores, e fez uma releitura da peça. “Tornou-a cosmopolita e intemporal, mas, quando a olhamos, vemos que é inspirada na capucha antiga.” Já a Bisarro continua a coser o barro preto na soenga, mas faz um redesign das peças, com linhas mais direitas, contemporâneas.
Produzir à mão, de forma sustentável
No Brasil, em cerca de um ano, Filipa Belo conseguiu mostrar este novo artesanato, representado, entre outras marcas, pelos tapetes da Sugo Cork Rug, pela cestaria da Maria Pratas e pelas tapeçarias de Vanessa Barragão, em várias exposições em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, para as quais foram convidadas. Hoje, a Portugal conta com uma rede de cerca de 60 artesãos, da ourivesaria à cerâmica, da moda à decoração. As marcas pagam um fee para estarem na plataforma online, que funciona como uma montra. A ideia é canalizar as pessoas para as marcas e levá-las a descobrirem as suas histórias, o seu trabalho e a comprar-lhes diretamente. Desde as joias da Joana Mota Capitão às bolsas em tecelagem artesanal da Maria Descalça e às botas e aos acessórios da Lobo Apparel, tudo é escolhido por Filipa Belo. “Recebo muitas propostas, mas são poucas as selecionadas. Privilegiamos quem trabalha com matéria-prima local, produz em pequena escala, à mão e de forma sustentável, cruza técnicas antigas com design. Isto é a nossa filosofia.”
Aberta desde meados de novembro, a loja temporária no CCB estará a funcionar até fevereiro, com uma seleção de 39 marcas que responderam ao desafio feito por Filipa. “Abrimos em tempo-recorde, com a ajuda do Rui Tomás, designer português premiado que tem vindo a colaborar connosco”, porque, justifica Filipa, “nessa altura, estava quase a ser mãe do Matias e não podia viajar para Lisboa”. A pop-up foge da imagem normal de uma loja: “É mais uma exposição, porque desta forma o produto é valorizado.”
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Para o CCB levaram novidades, como a primeira coleção com selo Portugal Manual, assinada pela Malga Ceramics e pela Teresa Gameiro. Batizada de Filomena, em homenagem à avó materna de Filipa, apresenta os tradicionais alguidares, potes e prato da sericaia alentejanos que a sua avó usava, com um olhar contemporâneo. À cerâmica, uma edição limitada a 20 peças, juntaram-se os têxteis, guardanapos, individuais e caminho de mesa com as cores da apanha da azeitona.
Em exposição, estão também os ouriços de madeira da UNI, a tapeçaria feita em Arraiolos, “completamente disruptiva”, de Susana Cereja; o banco e o pufe trabalhados também com lã de Arraiolos, pelo designer João Bruno; as peças de cestaria têxtil de Maria Pratas e a nova coleção de candeeiros Terracota, de Rui Tomás, feitos em roda de oleiro, entre outros artigos, a mostrar como o artesanato está a reinventar-se.
Em dias específicos, a Portugal Manual vai contar com a presença de alguns artesãos na loja, para dar a conhecer o seu trabalho.
Portugal Manual > Centro Cultural de Belém > Pç. do Império, Lisboa > seg-dom 11h-20h, até fevereiro > www.portugalmanual.com