Tudo foi pensado ao pormenor. As montras cenográficas de Pedro Rodrigues, o chão em mosaico hidráulico com um padrão inspirado na identidade gráfica da marca, o lavatório comunitário esculpido a partir de uma pedra de mármore maciça, os cacifos e bengaleiros à entrada, para que os clientes vagueiem sem pressas pela loja da Claus Porto, num edifício de três pisos na rua das Flores (só poderia ser numa rua com este nome). Os sabonetes pelos quais a marca é conhecida foram colocados em pequenas caixas expositoras modulares, como se de joias se tratassem. “É um espaço onde se vive e respira a Claus Porto”, sublinha Maria João Nogueira Mendes, a diretora de comunicação da Ach Brito (detentora da marca). A abertura, em junho passado (a primeira loja própria abriu em Lisboa, poucos meses antes) , foi o momento mais marcante das comemorações dos 130 anos, que reservam mais algumas surpresas até ao final do ano. “Estar na cidade que lhe deu vida e nome, enche-nos de orgulho”, diz Maria João. “É impressionante ver como sobreviveu a guerras e outros períodos muito conturbados e chegou aqui com um novo fôlego.”
No piso térreo da flagship store, os produtos estão em destaque, divididos pelas quatro coleções: Deco, Clássico, Água de Colónia e Musgo Real (para homens). Quem os queira experimentar tem à disposição o tal lavatório comunitário, deixando as fragâncias a pairar no ar. Uma cadeira de barbeiro à moda antiga, a um canto, não é uma mera peça de museu, sendo utilizada aos sábados no Musgo Real Hot Towel Shave, um serviço de barbearia tradicional (para quem compre produtos no valor de €50), cujas inscrições estão sempre completas. “Queremos que a loja seja uma experiência”, diz Maria João. Por isso, há ainda workshops, como a Mini Fábrica de Sabonetes ou o Laboratório de Aromas, no último piso, um espaço multifunções com uma mesa laboratorial e máquinas, além da reprodução de uma pequena sala de estar, com vista para Sé do Porto. O projeto arquitetónico de João Mendes Ribeiro é, no fundo, a versão moderna de uma loja histórica.
130 anos de História
Quem queira tomar um banho de história deve, precisamente, rumar ao piso intermédio do edifício. Maria João afasta o termo museu. “Dá a ideia de algo estático e não é de todo o que queremos da loja”, explica. Ali se percebe o percurso da Claus Porto, nascida em 1887, por iniciativa de dois empresários alemães, Georges Schweder e Ferdinand Claus. Pouco tempo depois, a marca conquistava uma clientela fiel e uma série de prémios nacionais e internacionais, destacando-se pela qualidade e pelo design dos produtos. Em 1903, o português Achilles de Brito junta-se à empresa como guarda-livros, passando a acionista em 1908. Juntamente com um irmão, forma em 1918 outra empresa de cosméticos, a Ach Brito, que após a Primeira Guerra Mundial e o abandono forçado dos sócios alemães do País, acaba por adquirir os ativos da Claus Porto em 1925.
A empresa mantém-se na posse da família, vivendo momentos áureos entre as décadas de 30 e de 60 do século XX, sendo apontada como um dos expoentes da indústria do País. Uma fotografia recorda a visita do presidente Américo Tomás, em 1968, por altura da celebração das bodas de ouro. “Na fábrica [atualmente, em Vila do Conde] guardávamos imensos documentos que, de certa forma, conseguiam reproduzir a História de Portugal, e era uma dor de alma não os expormos ao público”, diz a diretora de comunicação. O fim do protecionismo no pós-25 de abril, a chegada das marcas internacionais de cosmética ao País ou a abertura das grandes superfícies comerciais trouxeram desafios à Ach Brito. Quando, em 1994, os irmãos Aquiles e Sónia Brito, da quarta geração da família, decidem tomar as rédeas do negócio, com 20 e poucos anos, o futuro era uma incógnita. Decidiram focar-se no mercado de luxo e apostar na internacionalização. Um programa da apresentadora norte-americana Oprah Winfrey, exibindo os sabonetes de imagem vintage, deu um empurrão fantástico à marca, multiplicando-se a partir daí os elogios das estrelas de cinema.
A Ach Brito viria a ser abordada por vários investidores. “Aquiles [mais tarde, ficaria com a totalidade da empresa] tinha a consciência de que, sozinho, teria limites para aquilo que conseguiria fazer, mas recebia propostas que lhe partiam o coração e não respeitavam o valor da marca”, conta Maria João Nogueira Mendes. Até surgir um fundo de investimento português, em 2015, com vontade de valorizar o património histórico da casa, a quem é vendida a maioria das ações da empresa. Aquiles de Brito mantém-se como sócio minoritário e administrador não executivo. “Continua muito presente e esse prolongamento do ADN faz toda a diferença”, nota a diretora de comunicação.
A verdade de marca
Quem os viu, diz serem cofres gigantescos, com milhares de rótulos e de padrões originais, pintados à mão, criados pela Claus Porto. “Estão guardados em livros que só podem ser manuseados com luvas, uma vez que as folhas estão quase a desfazer-se”, descreve Maria João. É este o maior património da marca, conhecida pela produção de sabonetes, atualmente presente em 60 países. “Quando tive a sorte de folhear todos aqueles livros escondidos, mantidos em segredo como se se tratasse da receita da Coca-Cola, senti-me uma verdadeira privilegiada,” confessa Anne-Margreet Honing, diretora de arte da Claus Porto. “A diversidade é tão rica: cada detalhe é suscetível de transformar-se numa imagem de marca por si só.” Esta designer franco-holandesa era já uma admiradora da marca quando, em 2016, ficou encarregue do reposicionamento da sua identidade gráfica. Sempre respeitando e valorizando a sua história. Colocando lado a lado uma série de produtos, com anos de distância no fabrico – como se vê na exposição dedicada à evolução da linha Musgo Real, patente no segundo piso da loja – notam-se diferenças muito subtis, prova da intemporalidade deste design. “A verdade da marca” é uma expressão repetida por várias bocas. Aqui não há faz-de-conta. “Estamos a dar uma nova vida a algo verdadeiro e antigo mas sem cair no erro de fazer com que pareça moderno, nórdico ou algo do género. Não, é daqui, de Portugal. Faz sentido do princípio ao fim, desde o produto ao packaging”, diz Anne-Margreet Honing. Este é um dos elementos curiosos, pois todos os produtos são embalados à mão e fechados com lacre, um processo moroso e minucioso. Uma pequena galeria dá conta da evolução da imagem, desde os primeiros rótulos com nomes franceses às adaptações aos estilos dominantes. “É um atestado que passamos aos turistas, a partir daqui conseguem perceber que estão perante uma marca genuinamente portuguesa”, sublinha Maria João Nogueira Mendes. Atualmente, está a ser impresso um livro com uma forte componente visual, para ser publicado dentro de algumas semanas, dando a conhecer os riquíssimos arquivos da marca e os seus segredos.
O novo ímpeto e fôlego da Claus Porto contou ainda com o contributo da perfumista britânica Lyn Harris, famosa neste meio. Começou por desenvolver uma nova linha de velas da coleção Deco, agora apresentadas em copos brancos de porcelana biscuit, com um padrão a recordar a azulejaria portuguesa. Mas o maior desafio foi, certamente, a criação de um perfume de edição limitada (existem apenas 1887 exemplares numerados à mão) para celebrar o 130º aniversário, capaz de traduzir a paisagem portuguesa. O Le Parfum será lançado, na próxima quinta-feira, 26, no Le Grand Musée du Parfum, em Paris, a convite da própria instituição. “Pelo site, já foram feitas várias pré-reservas do perfume, o que é impressionante, tendo em conta que as pessoas não o podem cheirar”, revela Maria João. Uma viagem por Portugal, do vale do Douro às praias da Comporta, foi decisiva para o processo criativo. O resultado é estranhamente familiar, com notas cítricas a combinar com o aroma dos cedros. Cheira bem, cheira a Portugal.
Claus Porto > R. das Flores, 22, Porto > T. 91 429 0359 > seg-dom 10h-20h > R. da Misericórdia, 135, Lisboa > T. 91 721 5855 > seg-dom 10h-20h