1. 2Monkeys, Lisboa
Com uma Estrela Michelin no Porto, Vítor Matos estreia-se em Lisboa com dois restaurantes, mas não está sozinho. É o próprio chefe de cozinha que faz questão de sublinhar o papel de Francisco Quintas, 24 anos, à frente das cozinhas do Black Pavilion e do 2Monkeys no hotel Torel Palace. “Eu estou no Porto, venho a Lisboa algumas vezes”, dirá Vitor Matos, na sua visita à capital para apresentar o 2Monkeys.
Se o Black Pavilion é um restaurante para todos os dias, o 2Monkeys abre apenas cinco vezes por semana, ao jantar, com um menu de degustação. Aponta para a Estrela Michelin, sim, mas Vítor Matos, que já tem uma no Antiqvvm, no Porto, não tem pressa.
O restaurante, que nasceu no lugar da Cave 23, tem apenas 14 lugares, distribuídos por um grande balcão de madeira em redor da cozinha. “Permite uma interação com o cliente muito grande. Todo o empratamento, a montagem, a explicação, é feita à vossa frente. É alta cozinha descomprometida, no sentido de tirar o peso habitual inerente a este tipo de restaurantes”, define Vítor Matos. Do que não se abdica é dos produtos da época e de alta qualidade, elevados pela criatividade da dupla.
O menu de 14 momentos tem um preço fixo (€150, €250 com harmonização de vinhos) e nunca é fechado. Quando é feita a reserva, pergunta-se se há restrições alimentares, mas deixa-se claro que não há menus alternativos (leia-se vegetariano ou vegan).
Ao balcão, ao som da música, sucedem-se os pratos criados por Vítor Matos e Francisco Quintas. Tanto se serve um waffle fermentado com caviar, cebolinho e crème fraîche, como uma gamba violeta do Algarve com leitelho, mirin, funcho e limão confit; um foie gras com ruibarbo, ginja e gelatina de Moscatel; uma raia curada e re-hidratada com pil-pil, bivalves e plâncton; um linguado com puré de aipo, puré de acelgas e holandês de critrinos; ou um pombo com salsa, cogumelos morilles e mostarda.
As ideias são dos dois, não se cansa de repetir Vítor Matos. E não é que resultam tão bem? Torel Palace Lisboa > R. Câmara Pestana, 23, Lisboa > T. 21 826 2927 > ter-sáb 19h-23h > menu 14 momentos €150 (€250 com vinhos)
2. Eneko, Lisboa
Quando aqui chegámos não fazíamos ideia do que se seguia nas próximas horas. E se fosse possível jantar à hora de almoço? Fazer uma refeição com pratos sofisticados, num ambiente elegante e com serviço de primeira, não tem de ser uma hipótese apenas noturna. No Eneko, os dois menus de degustação estão também disponíveis de dia.
O chefe basco Eneko Atxa dá nome ao restaurante que fica no lugar do antigo Alcântara-Café, com gestão do Penha Longa Resort e uma Estrela Michelin ganha em 2020, para juntar às três do restaurante Azurmendi, em Larrabetzu, e mais uma no Eneko Bilbau.
Eneko não brinca em serviço e idealizou um momento teatral, com a entrada numa antecâmara à sala de refeições, onde é servido um ligeiro e breve piquenique, ao som do canto dos pássaros.
Nesta altura, a luz exterior do dia já ficou lá atrás e somos quase envolvidos pelas cortinas densas de veludo escarlate, a condizer com o tom das paredes. Um txacoli, vinho típico do País Basco, em Espanha, feito com uvas brancas, Hondarrabi Zuri e Hondarrabi Zerratia, na adega de Gorka Izagirre (tio do anfitrião) abre muito bem a performance do aperitivo. O paladar desperta com a acidez da esfera de maracujá, explosiva (salve seja); a intensidade do pimento piquillo; a doçura do brioche a defender a enguia fumada com emulsão de anchovas e o incontornável tártaro ibérico.
Passemos então do primeiro balcão para a plateia. Na sala principal, há mesas para duas, três ou quatro pessoas, não mais. A delicadeza das louças, copos e talheres contrasta com a estrutura industrial do lugar e da decoração. Entretanto, já perdemos a noção do tempo, se lá fora é de dia ou de noite.
Entre os menus disponíveis, sem repetição de pratos, a escolha entre o Erroak (significa raízes), com mais clássicos, e o Adarrak (ramos), com novas criações mais contemporâneas, pode ser difícil.
Até ao fim – o encore servido numa caixa-surpresa que guarda bombons de limão e de vinho, gomas de manga-caril, macarons de menta e framboesa e chupa-chupas de manjericão e iogurte – é um verdadeiro desfile de sensações, texturas, intensidades, aromas e sabores numa refeição de puro prazer. R. Maria Luísa Holstein, 15, Lisboa > T. 91 241 1863, 21 583 3275 > ter-sáb 12h30-15h30, 19h-22h30 > Menu Erroak €144 (€235 com vinhos), Menu Adarrak €177 (€297 com vinhos)
3. Fortaleza do Guincho, Cascais
Há dois pormenores difíceis de esquecer no restaurante Fortaleza do Guincho, distinguido com uma Estrela Michelin desde 2001. O primeiro é, sem dúvida, a paisagem surpreendente que se contempla através das grandes janelas. Ditou a sorte, no dia da nossa visita, que o céu estivesse bem azul, algo raro nesta zona, revelando a imensidão do mar e a serra de Sintra.
O segundo pormenor é a beleza e originalidade do empratamento pelas mãos do chefe Gil Fernandes, que assumiu em 2018 a liderança desta cozinha assente no receituário português.
No menu Experiências, que apresenta algumas novidades, cada proteína (carne ou peixe) surge trabalhada em duas receitas. “São pratos muito pensados e complexos, que se redobram para conseguirmos apresentar diferentes pontos e texturas e, claro, evitar o desperdício”, diz o chefe, nascido na Lourinhã.
Gil Fernandes gosta de usar o máximo de produtos nacionais e, sempre que possível, locais, de que são exemplo as azedas, o funcho selvagem, as algas, chagas, folhas de sabugueiro e agulhas de pinheiro.
O pastel de ostra, caril, gengibre e azedas dá início ao primeiro capítulo dedicado aos sabores do mar, seguindo-se o choco, onde o chefe faz uma homenagem ao surf, ou não estivéssemos no Guincho. O molusco é servido num dim sum recheado com açorda. Já o molho do choco recheia uma massa indiana (pana puri).
O caldo do mar, fricassé de bomboca (bivalve), mel e algas, lembra os favos de areia, uma espécie de casulo feito por um pequeno verme que vive nas rochas, entre o mar e a areia. Neste prato, são servidos dois tipos de favos de areia: um trazido da praia e que serve de prato ao tártaro e fricassé de bomboca (apanhado a 60/70 metros de profundidade), puré de codium (alga), enriquecido com mel e mostarda; e um “favo de areia” falso, totalmente comestível, que acompanha a sopa com os sabores do bivalve.
Do mar, saltamos para o campo, para provar o Conta-Gotas, cujo empratamento lembra um sistema de rega (em vez de água, “rega-se” com sumo de couve fermentada). É um dos pratos mais complexos e originais, preparado com mini alface recheada com ovas de robalo, entre outros ingredientes. Ainda nesta categoria, apresenta-se a Trepadeira, composta por uma “faveira” de vagens crocantes e recheadas de maionese hortelã selvagem e puré de fava. Numa taça à parte, chega a alheira de porco preto caseira, favada e ovo codorniz.
Nas carnes, o destaque vai para o porco ibérico, uma sugestão inspirada na receita de queijo de porco do livro A Arte de Cozinha, da autoria de Domingos Rodrigues, aqui reinterpretada por Gil Fernandes. “É com este tipo de comida, com ligação à nossa História e cultura, que consigo passar emoção”, afirma o chefe. E beleza, acrescentamos nós. Estr. do Guincho, Cascais > T. 21 487 0491 > qui-sáb 19h30- 22h30, dom 12h30-15h > Menu Experiência €190 (€295 com vinhos), Menu Degustação €145 (€220 com vinhos)
4. Midori, Sintra
Tiago Santos sucede a Pedro Almeida no Midori, restaurante no Penha Longa, em Sintra, onde a gastronomia japonesa e os ingredientes portugueses se encontram à mesa. Fotos: DR
Virados para as grandes vidraças, aproveitamos os últimos raios de sol para contemplar a verdejante serra de Sintra. Estamos no Midori – o primeiro restaurante japonês a ganhar uma Estrela Michelin em Portugal –, para experimentar as novidades da ementa, mas também para conhecer Tiago Santos, o novo chefe residente que sucede a Pedro Almeida.
Na sala, com 18 lugares, apenas ao jantar, são servidos dois menus de degustação – o Kiri (8 momentos) e o Yama (9 momentos) –, harmonizados com as propostas vínicas da sommelière Eveline Borges. Será com o Hassan, comum aos dois, que começamos. Dispostos numa tábua, de forma irrepreensível, chegam cinco iguarias: tártaro de toro num crocante de alga nori; cabeça de camarão frita com plâncton e aioli de yuzu; bola de Berlim de caranguejo; sanduíche de wagyu com mostarda e vinagre e uma esfera de aji tataki com molho à espanhola.
Entre as novidades, encontra-se o sashimi de shimesaba com tomate, um dos oito momentos do menu Kiri. “Lembra peixe frito com arroz de tomate”, diz Tiago Santos, explicando que tem na base arroz de tomate cremoso, finalizado com coentros e uma tempura crocante.
No Midori, a ideia é ser fiel à forma como se fazem as coisas no Japão, mas há sempre uma ligação, mais ou menos evidente, com Portugal. O yakimono de toro (barriga de atum) e batata de Aljezur, em diferentes texturas, é outra estreia, assim como a tako su, nome para a salada japonesa de polvo do Algarve, acompanhada de puré de batata-doce de Aljezur, cebola-pérola, espuma de pepino e pó de alga wakame.
Uma complexa sobremesa de caranguejo-das-neves, bergamota e iogurte rematou este jantar, em que experimentámos 19 criações. E qual delas a melhor. Penha Longa Resort, Estrada da Lagoa Azul, Sintra > T. 21 924 9011> ter-sáb 19h-22h30 > menu Kiri €144/8 momentos, menu Yama €177/9 momentos (sem bebidas)