Mais do que um simples livro de cozinha, Entre Ventos e Fumos, do chefe de cozinha Nuno Diniz, é um levantamento histórico e cultural do fumeiro e dos enchidos de Portugal – do chouriço de abóbora, produzido essencialmente nas aldeias do Barroso, em Montalegre, à Negrinha tradicional da região dos Templários, da farinheira de batata de Marvão à papada fumada de Alcoutim, sem esquecer as salsichas de sangue da ilha Terceira, por exemplo. São mais de uma centena de enchidos (receitas incluídas), desde os mais clássicos aos mais arrojados e raros, que o professor da Escola de Hotelaria de Lisboa aprendeu com quem se foi cruzando (“velhas de sorriso franco que fazem alheiras como ninguém”), e descobriu nos sítios por onde foi parando, por esse Portugal fora. “À beira de riachos de água límpida, procurei e encontrei folares de carne, como não existem em outro lugar, e nessa busca descobri mais outro fumeiro, que ainda não conhecia, comprovando a convicção de que temos mais e o melhor fumeiro do que qualquer outro povo…”, lê-se no texto de introdução. Para ajudar a consultar as 224 páginas, os produtos tradicionais estão arrumados pelas diferentes regiões do País, ilhas incluídas: Minho, Trás-os-Montes e Alto Douro; Entre Douro e o Tejo; Ribatejo e Estremadura, e O Sul e as Ilhas (Alentejo, Algarve, Açores e Madeira).
Viagens gastronómicas
Para contar a história deste Entre Ventos e Fumos, editado pela Bertrand, é preciso recuar a 2005, ano em que Nuno Diniz decide trabalhar menos para ganhar tempo para si. “Nessa altura, comecei a viajar muito por Portugal, para comer”, conta, recordando os quilómetros percorridos por estradas nacionais e por caminhos secundários, as visitas a pequenas aldeias e vilas recônditas, onde foi convidado a entrar em casa de pessoas humildes. “Fiquei absolutamente cativado pelo carinho e pela simplicidade.” Destes passeios gastronómicos, resultaram centenas de provas e de outras tantas histórias de pequenos produtores e artesãos, com mão treinada para este ofício antigo, em alguns casos, por uma questão de sobrevivência. É nestas viagens que constata, também, que o mundo dos enchidos não se fechava na farinheira, na morcela e no chouriço de sangue, servidos habitualmente no cozido. “Descobri muitos mais, 10, depois 20, e até hoje não parou. Calculo que devemos ter cerca de 120 enchidos distintos. No livro, refiro cerca de 100”, revela, deixando igualmente pistas sobre onde, atualmente, ainda podem ser encontrados.
O tema deste primeiro livro de Nuno Diniz, os enchidos e o fumeiro, está relacionado com o seu percurso, que começa por uma cozinha muito sofisticada e complicada – que ainda pratica, com prazer, em algumas ocasiões –, para se dedicar, em seguida, à organização e à confeção dos grandes Cozidos de Portugal que, acontecem três vezes por ano, dedicados a diferentes regiões. A ânsia pelo conhecimento sempre acompanhou o chefe nascido em Lisboa, perfecionista no que ao trabalho diz respeito, que gosta de cozinhar, escrever, viajar, compor música e dar aulas na Escola de Hotelaria de Lisboa. Foi precisamente um antigo aluno “extraordinário”, Diogo Veladas, que o incentivou a levar adiante a ideia de fazer um livro, e o devido agradecimento faz-se logo nas primeiras páginas, em jeito de dedicatória. “Foi escrito em 12, 15 dias. Fui sempre tirando notas ao longo destes 14 anos. A certa altura, comecei a ter noção de que podia ser útil e guardei toda essa informação. Mas não sabia que ia escrever um livro. É caso para dizer que Entre Fumos e Ventos não era suposto existir”, brinca o autor, acrescentando que esta não é uma obra velha. “Atrevia-me a dizer que é extraordinariamente moderna, porque pega numa tradição viva. E, como todas as tradições vivas, vai evoluindo.”