Livraria ‘divina’
Uma avalanche quase diária. Cerca de 1 600 turistas entram, em média, todos os dias, na centenária Lello (fundada em 1906). E ainda nem entrámos no pico do turismo na cidade (de maio a setembro). É um dos “monumentos” da cidade. “Divina” como lhe chamou o The Guardian.
A beleza da sua arquitetura encanta todas as línguas do mundo. Esta “Catedral dos Livros “, eleita, no ano passado, a terceira mais bonita do mundo pelo guia Lonely Planet e medalha de ouro da cidade em 2011 (entre outras distinções) faz parte do roteiro turístico de quem visita o Porto. Sobem a escadas vermelhas em espiral, observam os vitrais coloridos, deslumbram-se com as estantes neogóticas que cobrem as paredes. E compram livros. “Se considerasse que a livraria tinha apenas visitas, punha um porteiro à porta a cobrar bilhete, mas 80 por cento dos visitantes compram”, afirma Antero Braga, administrador da Lello. E reforça: “Devemos ser a única livraria do País que continua a aumentar as vendas.” Antero Braga confessa, contudo, estar atento ao “binómio cultura/negócio”. Daí que sejam muitos os artigos de merchandising da Lello disponíveis ao visitante: sabonetes da Ach Brito, agendas em cortiça, vinho da Neipoort, pratas de Siza Vieira…. “As pessoas pensam que isto é subsidiado por algum organismo estatal, mas não é”, justifica. “Promover o que Portugal tem de bom e ao mesmo ser lucrativo” são as linhas de negócio.
O número de visitantes é tal que é quase impossível atravessar esta Rua das Carmelitas e não dar de caras com chineses, alemães, espanhóis… De tal modo que o administrador da Lello compara esta zona da cidade “ao Piccadillly de Londres”. “Devia ser um espaço aberto 24 horas por dia, havendo uma concertação, por exemplo, ao nível da restauração”, defende. Por enquanto, está “expectante” em relação à recuperação da Praça de Lisboa que prevê uma rua de ligação entre a livraria e os Clérigos.
Nesta pérola da arte nova do Porto, o turista pode sentar-se a apreciar a beleza arquitetónica, folhear a imensa literatura escrita em diferentes línguas… Só é impedido, desde há alguns meses, de fazer uma coisa: fotografar.
Livraria Lello & Irmão R. das Carmelitas, 144 T. 22 2002037 Seg-Sex 10h-19h30, Sab 10h-19h
A Centenária Académica
Entrar na Livraria Académica requer tempo. Para olhar as centenas de livros, com lombadas dispostas lado a lado, para pesquisar relíquias assinadas por Aquilino, Eça e outros tantos escritores, mas, sobretudo, para conversar com Nuno Canavez, um dos mais conhecidos e letrados alfarrabistas da cidade. “É a profissão mais bonita que conheço”, diz. Não duvidamos.
Só de olhar para ele e perceber a forma embevecida como fala da sua livraria que faz, em novembro, um século de vida. Apesar de pequena pelo menos, a área de acesso ao público é rica em património cultural.
Nas mãos, Canavez, 76 anos, segura um pequeno mas valioso exemplo do que tem ali dentro: o livro Pão Ázimo, de Miguel Torga, com uma dedicatória do poeta. Está à venda por €2500. “A dedicatória de um livro pode ter muita influência na sua valorização”, confirma. Em tempos, Torga foi, aliás, um dos clientes. Tal como José Régio, Leonardo Coimbra e tantos outros. Académicos, poetas, médicos … “Alguns levavam livros para casa só quando sabiam que a mulher não estava, para ela não se aperceber da compra”, recorda, entre risos. Hoje, a classe médica é o principal cliente.
Foi, muitas vezes, chamado para comprar bibliotecas particulares, mas acredita que as pessoas se desfazem menos facilmente dos livros. “Hoje retêm-nos mais tempo como sinal de investimento”, ao mesmo tempo que há a noção que “ao comprar primeiras edições se vai construindo um património”. Nuno Canavez é proprietário da livraria onde entrou com apenas 13 anos para trabalhar como “marçano”, o moço de recados do Sr. Joaquim Guedes da Silva, o fundador.
Oriundo de Vale de Juncal, Mirandela, aqui se fez homem e tomou o gosto à leitura. Que lhe continua a preencher os dias e os pensamentos. O alfarrabista detesta as novas tecnologias. “Os computadores, essa máquina diabólica, destruíram as enciclopédias. Hoje não se vendem, está tudo no computador, ocupam menos espaços, são mais baratas.” Há dias entrou-lhe ali dentro um jovem de 16 anos à procura de Os Maias. O rapaz espantou-se quando viu o tamanho do livro. “Não tem o resumo? É que isso não vou ler”, afirmou-lhe. O que mais incomoda Nuno Canavez é a falta de leitores.
Em novembro, na celebração dos 100 anos da livraria, quer publicar mais um volume da sua Bibliografia sobre Trás-os-Montes, e, fazer, uma exposição sobre a renascença portuguesa. Retirando das prateleiras da Académica algumas das suas relíquias. Porque, como gosta de afirmar, “o livro tem que ser arejado, deixar que o ar lhe percorra as páginas….”
Livraria Académica R. dos Mártires da Liberdade, 10 T. 22 2005988 Seg-Sex 9h-12h30, 14h30-19h, Sab 9h-12h30
Regresso ao vintage
A Bernardino Francisco Guimarães (BFG) nasceu no início do século XX, em 1900. E continua no mesmo espaço da Rua do Bonjardim como se o tempo não tivesse passado. Mesmo que, há uns anos, tenha aderido à abertura de uma loja online. As ferragens antigas (vintages, rústicas, art déco), mantêm-se à venda, resultado do trabalho de fundidores artesanais. Hoje, a casa é gerida por três mulheres, duas filhas e uma neta do fundador.
São duas gerações distintas mas unânimes em querer prosseguir o negócio. “Dá para pagar as despesas e continuarmos abertos”, revela Alexandra Vale, 40 anos, neta do fundador.
Miguel Gesto, 59 anos, é o empregado mais antigo. Trabalha aqui desde os 11/12 anos. “Até ao 25 de Abril era uma das casas mais conhecidas do Porto”, conta. “Trabalhávamos com as empresas de mobiliário de Rebordosa, Valongo, importávamos ferragens do mercado internacional… Depois as condições do mercado alteraram-se”. De há uns anos para cá, são as empresas de restauro que mais os procuram. E o mercado do Brasil, Espanha e Açores.
Há ferragens para portas e janelas, puxadores, dobradiças, mas também candeeiros, lanternas, suportes para vasos… A BFG faz réplicas de ferragens antigas e, desde há uns anos, tem sido muito procurada para o mercado do restauro. “As pessoas querem renovar essa cultura mais vintage, recuperando móveis estilo D. Maria, Luis XV, D. José”, conta Miguel Gesto. A primeira máquina registadora ainda decora o balcão.
Mesmo que se misture com algumas peças de artesanato tradicional e bonecos em latão. O mobiliário é, no entanto, o mesmo. “Tentamos manter a traça, não vamos destruir estas gavetas que estão velhas e podres mas é aí que está a piada”, salienta Alexandra. “Os turistas adoram. Ainda há dias uma russa levou umas aplicações em latão como recordação…”.
Bernardino Fancisco Guimarães R. Bonjardim, 404 T. 22 200 2655 Seg-Sex 9h-19h, Sáb 10h-13h www.bfg.pt
“Posticeiro é o que sou”
A dias da Páscoa, Israel Matos não tem mãos a medir. Em cima do balcão de mármore, penteia, escova, enrola, minuciosamente (com a ajuda de um ferro aquecido a gás), uma cabeleireira que há de vestir alguém, no domingo de Páscoa, à imagem dos Senhor dos Passos.
É posticeiro há 45 anos. “É essa a minha profissão: posticeiro”, reforça. Veio trabalhar para o Cardoso Cabeleiro com 12 anos e não mais saiu. Após anos de trabalho com fios de cabelo, a loja de perucas dos irmãos Cardoso acabaria por lhe ir parar às mãos. Israel garante ser a única do País. “Há um mês, Eunice Munõz passou aqui à porta e felicitou-me por ainda estar aberto”, recorda.
A atriz, tal como Camilo de Oliveira e Ivone Silva, foi, durante anos, uma das clientes. “A casa abriu (em 1906) com o teatro”, lembra. Era aqui que se vinham buscar as perucas, os bigodes, os capachinhos para as peças no Sá da Bandeira. A concorrência e o aparecimento dos cabelos sintéticos, ditou outros caminhos. Hoje, são as procissões a principal fonte de rendimento (alugam-se perucas a partir de €20/dia) e há quem apareça quando problemas de saúde lhes ceifam o cabelo. “Hoje, a calvície está a aparecer muito nas senhoras”, nota Israel. “Todo o nosso material é da época e francês”, avisa.
Nos armários, mantidos a branco como outrora, estão guardados cabelos e cabeleiras com dezenas de anos. “Tenho para aí cabelos que são mais velhos do que eu”, ri. “Antigamente, as pessoas cortavam as tranças, os cabelos compridos, e vinham-os cá vender”, lembra. Ninguém pense que é um trabalho fácil. “Pareço um relojoeiro.” Até chegar à versão peruca, o cabelo é esterilizado, passado pelo “sedeiro” para ficar direito, trabalhado nos teares onde se cozem os cabelos à mão, fio a fio. Sozinho.
“Os jovens não querem aprender isto, preferem a liberdade”. Os turistas passam e não resistem a fotografar. “Acham piada à loja. Isto é um museu.”
Cardoso Cabeleireiros R. Bonjardim, 105 T. 22 2008560 Seg-Sex 9h-12h, 14h-19h, Sab 9h-12h30
No reino dos botões
A Botónia terá nascido no mesmo ano do cineasta Manoel de Oliveira (1908). Terá, porque não há certezas absolutas em relação ao ano de abertura desta casa especializada em botões. Os primeiros registos do espaço datam de 1936, mas a proprietária têm uma carta do avô que indicia ter aberto portas muito mais cedo.
Maria Guilhermina Azeredo Lobo, a neta que toma conta da Casa Botónia há mais de 20 anos, vive entre botões. Literalmente. A loja, retangular, em forma de corredor, está preenchida com centenas de caixinhas. Botões em madre pérola, em vidro, em sirgaria, em cristais Swarovski (os mais caros podem atingir os €75/cada), fechos (que podem custar €150), além de guarnições a metro, lantejoulas, aplicações para danças de salão e vestidos de noiva.
Os botões vêm de Itália, Alemanha, Holanda. Os mais antigos, “do tempo do avozinho”, estão guardados, mas Maria Guilhermina ainda possui uma grande variedade vintage na loja. É aqui, aliás, que muitos estilistas portugueses caso de Nuno Baltazar, Nuno Gama e Carlos Gil vêm à procura de botões. Mas não só. Também as “modistas” das mulheres dos empresários Américo Amorim e Belmiro de Azevedo, e até a de Isabel dos Santos, a filha mais velha do presidente de Angola, aqui se abastecem. Ou seja, há, seguramente, botões da Botónia espalhados por todo o mundo, em roupa e acessórios (aplicados em brincos e anéis).
O atendimento personalizado continua a ser uma das mais-valias desta casa. “Há 12 anos que não tenho férias. Tenho que estar aqui presente, todos querem a minha opinião”, conta. “Quero conservar com muito amor aquilo que foi do meu avô”. Embora, Guilhermina, confesse “detestar cozer botões”.
Casa Botónia R. de Cedofeita, 23 T. 22 2007234 Seg-Sex 10h-12h, 14h30-19h, Sáb 9h30-13h
Casa Oriental Campo dos Mártires da Pátria, 111 T. 22 200 2530
Ervanário Portuense R. do Bonjardim, 522 T. 22 205 1776
Grande Hotel de Paris R. da Fábrica, 27 T. 22 207 3140
Livraria Moreira da Costa R. de Avis, 30 T. 22 2007524
Padaria Ribeiro Pç. Guilherme Gomes Fernandes, 21 T. 22 2005067