Na passada segunda-feira, depois da passagem de mais um aniversário do massacre de Santa Cruz, o australiano Tom Nicholson lembrou Timor na Baixa do Porto.
Oitenta alunos do Balleteatro distribuíram dezenas de panfletos com o título Os vossos amigos não vos esquecem, enquanto, no ar, dois aviões exibiam a mensagem juntamente com a frase Your turn will come, aludindo a folhetos lançados no final da Segunda Guerra Mundial pela Royal Australian Air Force. Além do vídeo que documenta a ação, Tom Nicholson convida o visitante de Às Artes, cidadãos, exposição que inaugura esta sexta, 20, no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, a doar um livro para Timor.
O ativista timorense é um dos 30 artistas e coletivos (todos eles se estreiam no museu) nascidos depois de 1961, ano da construção do muro de Berlim que serviu de plataforma à mostra. “Apesar de ter sido destruído em 1989, [o muro] continua a projetar a sua sombra no presente”, justificam os dois comissários, João Fernandes e Óscar Faria.
“Refletir questões da cidadania na arte contemporânea” é como João Fernandes resume a maior exposição de Serralves deste ano, que encerra as comemorações do Centenário da República e se expande por vários lugares do Porto. Estes artistas “são o exemplo do ativismo e da política do nosso tempo, são os herdeiros do século XX”, realça João Fernandes.
O título é inspirado no refrão do Chant de guerre pour l’armée du Rhin e conta com projetos díspares mas lineares na linguagem, da pintura à escultura e fotografia.
O português António de Sousa, por exemplo, cobriu a palavra Loukanikos nome do cão visto durante várias manifestações na Grécia com cabelos recolhidos numa barbearia de paquistaneses, situada na Rua Cimo de Vila, no Porto (zona de acolhimento de novas comunidades). O barbeiro estará no museu, aos domingos, oferecendo-se para cortar o cabelo gratuitamente ao visitante.
O norte-americano Sam Durant apresenta um jogo de sete globos culminando com a localização dos 15 bancos que detêm o poder no mundo. Enquanto, na sala, ecoa um som qualquer coisa entre uma marcha fúnebre e militar do espanhol Asier Mendizabal.
A palestiniana Ahlam Shibli recorda a memória de uma aldeia francesa onde centenas de pessoas foram deportadas durante a II Guerra Mundial. A colombiana Carolina Caycedo apresenta frases, palavras, pensamentos a partir de um trabalho realizado com uma série de emigrantes letrados a viver no Porto. Através de um mural e centenas de assinaturas, o madeirense Rigo 23 reconta uma polémica ocorrida na paróquia da Ribeira Seca, na Madeira, em Maio, excluída das celebrações da imagem da Senhora de Fátima.
Por seu lado, João Sousa Cardoso apela à memória dos últimos cem anos e lembra o corpo enquanto forma de expressão política através do espetáculo As Fúrias interpretado pelo Rancho Douro Litoral. O coletivo francês Claire Fontaine acautela para o desaparecimento das abelhas e promove a polinização convidando o público a adotar um novo modelo de colmeia. É deles ainda o trabalho intitulado Greve Humaine, realizado com milhares de fósforos. No projeto Deus Pobre, o colombiano Carlos Motta aborda a esfera do religioso e político, desafiando vários padres a participarem na leitura de textos históricos.
Em complemento, o espaço Nas Margens da Arte, comissariado por Guy Schraenen, no hall do museu, reúne cartazes e edições de artista (alguns estiveram no Museu de Arte Contemporânea de Barcelona) que traduzem questões sociais e políticas. Entre eles está o cartaz de Vieira da Silva, A Poesia está na Rua, sobre o 25 de Abril. Além da biblioteca e da capela, a mostra não se esgota no museu. Na escola da Pasteleira, Rigo 23 pintou um mural que aborda os bairros sociais existentes em redor de Serralves.
Também o russo Nikolay Oleynikov interveio numa parede junto à Rua de Cedofeita. Na livraria Utopia há um trabalho do americano Sam Durant. E através de uma performance no Teatro Nacional S. João, Mariana Silva levanta questões sobre a receção do público às obras teatrais.
Certo é que ninguém sairá daqui indiferente. “Há sempre a possibilidade de um protesto individual “, desafia Óscar Faria.
TOME NOTA No dia 9 de dezembro haverá uma visita-guiada pelos comissários João Fernandes e Óscar Faria.
ÀS ARTES, CIDADÃOS! 21 Nov-13 Mar Museu de Arte Contemporânea de Serralves R. D. João Castro, 210 T. 22 615 6500 www.serralves.pt