Um novo estudo publicado na revista Toxicological Sciences veio confirmar que os microplásticos podem efetivamente estar em todo o lado – neste caso, foram encontrados em placentas humanas, o que pode pôr em causa a saúde dos dos fetos em desenvolvimento. A investigação encontrou mesmo microplásticos em todas as 62 amostras de tecido placentário. O material comum mais detetado foi o polietileno. O polietileno é um dos tipos de plástico mais utilizados mundialmente por ser o mais barato, usado para fazer sacolas plásticas, fraldas descartáveis, garrafas, tampas, entre muitos outros produtos.
Outras partículas de plástico, como o cloreto de polivinila, o nylon e o polipropileno, também foram identificadas nas amostras de placentas. Estas partículas provavelmente têm várias décadas e devem ter sido desgastadas e oxidadas durante anos no meio ambiente antes de serem ingeridas pelos humanos.
Os microplásticos são pequenas partículas de plásticos com menos de 5 milímetros. Têm origem em duas fontes principais: primária (via direta) ou secundária (via indireta). A primária diz respeito a materiais que têm plástico na sua constituição e são utilizados diretamente pelas pessoas, como produtos de limpeza e de higiene pessoal (esfoliantes corporais, pasta de dentes, creme de barbear, gel de limpeza), cosméticos ou matéria-prima da indústria dos plásticos, nas fábricas; os microplásticos secundários são fragmentos que que resultam da degradação física, química e biológica de detritos de plástico de maiores dimensões, como embalagens, que se fragmentam ao longo do tempo pela ação do sol, vento e microrganismos.
À medida que a poluição ambiental por plástico continua a piorar, a contaminação da placenta tende a aumentar, com os humanos a respirarem e a ingerirem mais plástico do que nunca. Os microplásticos espalham-se pelo ambiente, contaminando oceanos, rios, solo, ar e a cadeia alimentar, visto que são ingeridos por animais marinhos e terrestres. Foram já encontrados microplásticos em todos os principais orgãos do corpo humano – incluindo no cérebro – e nas fezes de bebés e adultos.
A quantidade de microplásticos que se acumulam nos tecidos humanos é extremamente difícil de detetar, uma vez que as partículas são muito pequenas. Os cientistas investem, há anos, na procura de métodos que permitam quantificar a massa dos poluentes em análise e que possibilite identificar a marca de plástico específica de cada um. Só este processo é que possibilitaria avaliar devidamente o seu impacto na saúde.
A crescente concentração de microplásticos nos tecidos humanos pode ser a causa do aumento intrigante de alguns problemas de saúde, como a doença inflamatória intestinal, o cancro do cólon em pessoas com menos de 50 anos e a diminuição da contagem de esperma. Um estudo de 2021, por exemplo, constatou que os pacientes que sofrem da doença inflamatória intestinal têm 50% mais de microplásticos nas fezes.
Os investigadores também detetaram noutros estudos a presença de microplásticos no leite materno, no sangue, na água e no ar, que indicam contaminação generalizada no corpo das pessoas. Um primeiro estudo realizado em 2020 encontrou pela primeira vez microplásticos em placentas humanas a partir de amostras de quatro mulheres saudáveis que tiveram partos normais em Itália. Os investigadores explicaram que os microplásticos transportam substâncias que são como desreguladores endócrinos – que interferem com o sistema hormonal- podendo causar efeitos graves a longo prazo na saúde humana.
Um estudo holandês de 2022 também já tinha encontrado microplásticos no sistema circulatório em 77% dos indivíduos da amostra. Outro estudo italiano de 2022 também identificou microplásticos em 75% do leite materno das amostras analisadas, evidenciando que existe a possibilidade de expor partículas de plásticos aos bebés através da amamentação, o que pode ser preocupante devido à sua vulnerabilidade e ao desenvolvimento dos seus sistemas ainda em curso.
Quais os efeitos na gravidez?
O estudo na revista Toxicological Sciences encontrou microplásticos em todas as amostras de placentas com concentrações entre 6,5 e 685 microgramas por grama de tecido, que é muito superior aos níveis antes encontrados na corrente sanguínea humana. Outro estudo, publicado na Science Direct, também já tinha evidenciado que as partículas de plástico podem estar ligadas ao entupimento dos vasos sanguíneos, tendo encontrado microplásticos em 17 casos, num total de 22 amostras de artérias humanas.
No estudo das placentas, os investigadores recorreram a um novo método para examinar sangue e tecidos humanos, e identificaram pequenas partículas e fibras de plástico com menos de um mícron de tamanho, na maior amostra de placentas até agora. A técnica consiste na separação do material biológico dos plásticos sólidos através de químicos que separam moléculas minúsculas. Os autores do estudo consideram que este procedimento, em conjunto com metadados clínicos, será importante para avaliar os impactos dos microplásticos em potenciais resultados adversos da gravidez.
Para analisar os microplásticos, os cientistas utilizaram produtos químicos e ultracentrífugas para estudar a assinatura química característica de cada plástico. Para tal, separaram os tecidos e de seguida aqueceram-nos. Esta técnica também foi usada em Pequim por investigadores da Capital Medical University, que queriam detetar microplásticos em amostras de artérias humanas.
Os possíveis impactos na saúde humana ainda estão a ser investigados, suspeitando-se de inflamações, danos celulares e problemas reprodutivos. As primeiras experiências feitas em ratos sugerem ainda que os microplásticos podem interromper o desenvolvimento do cérebro fetal que pode resultar num desenvolvimento neurológico abaixo do considerado ideal. A diminuição da poluição através do plástico é fundamental para prevenir a entrada de microplásticos na cadeia alimentar e no meio ambiente.
Os cientistas ainda não sabem quais são as razões da concentração de microplásticos nos órgãos humanos, mas acreditam que se pode dever à combinação de diversos fatores ambientais, dietéticos, genéticos, da idade materna e de estilo de vida. Também não se sabe se tais concentrações são nefastas para o crescimento e desenvolvimento da placenta ou do feto ou se pode ter outras consequências para a saúde materna. Mas para a placenta é ainda mais preocupante, visto que se forma rapidamente, em apenas 8 meses, enquanto outros órgãos levam mais tempo. Além disso, o fluxo sanguíneo elevado na placenta e a absorção de nutrientes do sangue materno podem torná-la mais suscetível à acumulação de microplásticos.