Ver os anos passar e conseguir, realmente, continuar a recordar o que vivemos, parece ser um dos maiores luxos, ao chegarmos às fases mais avançadas da vida. Afinal de contas, somos todos uma sucessão de histórias que, a cada minuto, ficam armazenadas no passado.
O desgaste biológico é inevitável e, enquanto alguns perdem capacidades cognitivas e outros desenvolvem doenças como a Alzheimer, a comunidade científica continua em busca de soluções que atrasem tais fenómenos.
Um novo estudo, publicado na revista GeroScience, que envolveu uma equipa multidisciplinar e multinacional composta por psicólogos, médicos e engenheiros de várias universidades (nomeadamente Coimbra, Harvard e São Paulo), revelou agora que a neuroestimulação transcraniana por corrente direta do cerebelo (uma técnica de estimulação neuronal indolor), durante o envelhecimento, tem impacto na melhoria da memória episódica, ou seja, na capacidade de recordar histórias e ações do quotidiano.
“Até há algum tempo, achava-se que o cerebelo estava apenas relacionado com questões motoras, mas, apesar de ter muitos aspetos motores, tem muito mais cognição do que se pensava”, explica o líder da equipa, Jorge Almeida, docente e investigador da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.
Os indivíduos estimulados no cerebelo foram capazes de se recordar de mais quatro palavras, em média, num total de 16, quando comparados com os outros grupos de controlo
Jorge Almeida – investigador da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra
Para chegar a estas conclusões, os investigadores contaram com a participação de pessoas saudáveis, com mais de 60 anos, que foram sujeitas a um treino cognitivo e à neuroestimulação transcraniana por corrente direta. Como aponta Jorge Almeida, a investigação mostrou “uma melhoria na capacidade de idosos saudáveis se recordarem de listas de palavras, após somente 12 sessões consecutivas de estimulação cognitiva e neuronal”.
Sobre as melhorias apresentadas, “os indivíduos estimulados no cerebelo foram capazes de se recordar de mais quatro palavras, em média, num total de 16, quando comparados com os outros grupos de controlo”, sublinha o também diretor do Proaction Lab e investigador do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental.
Porém, sendo um estudo cego, feito com as melhores técnicas e apenas em pessoas saudáveis, este não pode ser considerado um ensaio clínico. Antes de se pensar em aplicar a técnica na população em geral, Jorge Almeida sublinha a importância de realizar estudos mais alargados.
O cientista admite que a investigação ainda se encontra numa fase muito inicial, mas defende que este tipo de intervenção poderá ser uma “solução muito interessante”, se vier a ser utilizada de forma mais sistematizada em pessoas que se encontrem, por exemplo, em fase de pré-Alzheimer, o chamado declínio cognitivo ligeiro.
“Ao fim e ao cabo, é uma possibilidade não medicamentosa que poderá ser usada como prevenção”, sublinha. A tornar-se real, enquanto terapia realizada na prática clínica, a neuroestimulação transcraniana por corrente direta do cerebelo poderá ajudar a responder a uma das queixas mais comuns das pessoas de idade avançada: a menor capacidade em recordar coisas do dia-a-dia.