Mariana não pensava que desejava tanto ser mãe até perder o seu primeiro bebé, em novembro de 2022. A segunda gravidez, descoberta no fim desse mesmo ano e muito querida, criou novos medos e inseguranças.
“Depois de uma perda gestacional, acredito que não se viva a gravidez da mesma forma. Acho que estar grávida já pressupõe algum stress e ansiedade, mas no meu caso, principalmente no início da gravidez, foi muito stressante, estava muito ansiosa com o que poderia acontecer”, conta à VISÃO Mariana, de 28 anos
Além disso, teve vários momentos de tristeza ao longo da gravidez “sem razão aparente”. “Já me senti simplesmente com vontade de chorar por tudo e com vontade de me isolar”, diz, acrescentando que esses momentos ocorreram apenas “por períodos curtos e irregulares”.
Joana Mesquita Reis, pedopsiquiatra no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC) explica, em entrevista à VISÃO, que “apesar da imagem idílica que criamos em torno da gravidez, este é um período particularmente sensível, repleto de mudanças profundas que implicam uma elevada adaptabilidade”. “Apesar de poder representar um momento de reparação e de esperança, também pode ser vivenciado com muitos receios e angústias”, acrescenta.
Depressão na gravidez não é rara
A depressão não é uma condição rara na gravidez, afirma Joana Mesquita Reis. Os estudos existentes em grávidas para a nossa população referem prevalências que rondam os 10% e em determinados períodos, principalmente durante a pandemia, os estudos encontraram prevalências ainda superiores, na ordem dos 20% a 30%.
“Não sendo a norma, é algo frequente o suficiente para se considerar natural e para merecer a atenção quer das próprias mulheres, quer das pessoas que as rodeiam”, diz, por seu lado, Henrique Prata Ribeiro, médico psiquiatra no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, e Coordenador da Estrutura para a Saúde Mental dos Açores.
As consequências da depressão na gravidez são imensas, não só para a grávida como também para o bebé, concordam os especialistas, e “podem ter impactos a longo prazo”. Joana Mesquita Reis explica que esta condição pode estar relacionada, por um lado, com um maior risco de parto pré-termo, baixo peso à nascença e possíveis alterações ao nível do desenvolvimento do bebé.
Além disso, aumenta o risco de depressão pós-parto, sobretudo quando ocorre no último trimestre, diz a médica. “Sabemos hoje que a relação precoce entre mãe e bebé vai influenciar o desenvolvimento cerebral e emocional da criança, por isso as interações precoces positivas são essenciais para o desenvolvimento psicoafectivo saudável do bebé, bem como para o estabelecimento de uma relação mãe-bebé adequada”, esclarece Joana Mesquita Reis.
Em casos mais graves, e porque a depressão materna tem várias consequências também no desenvolvimento social e cognitivo do bebé, pode contribuir também para o desenvolvimento de um quadro depressivo na criança. “Uma mãe deprimida apresenta uma maior dificuldade em compreender os estados emocionais do seu filho, em decifrar os seus sinais e em atender às suas necessidades”, afirma.
Por isso mesmo, é essencial a um bom prognóstico “a sinalização precoce aos cuidados de saúde para iniciar o tratamento” rapidamente, reafirma Prata Ribeiro.
O papel de quem está à volta
O especialista defende que é prioritário que as grávidas se sintam constantemente apoiadas por quem está à sua volta, e que essas pessoas devem ter capacidades “de identificação do problema e tranquilização”.
“O primeiro passo é estar informado: conseguir discernir entre aquilo que é uma tristeza ligeira, natural e inofensiva, passageira, ou aquilo que é uma tristeza marcada, impeditiva, com impacto no funcionamento normal da pessoa”, explica Prata Ribeiro.
O psiquiatra afirma também que quem rodeia a grávida deve ajudar a reduzir “eventuais circunstâncias causadoras de stress, sejam elas de que natureza forem”. “É uma forma de a proteger dos fatores de stress que são modificáveis”, explica. E Joana Mesquita Reis acrescenta que “perante a suspeita, devem adotar uma atitude empática e compreensiva e procurar orientar a grávida para uma avaliação médica”, refere ainda Joana Mesquita Reis.
Mariana não se sentiu deprimida durante a gravidez – é mesmo essencial conseguir distinguir uma tristeza passageira de uma depressão – mas conta que sentir o apoio das pessoas ao seu redor nos momentos de tristeza, principalmente do companheiro, foi essencial para ultrapassá-los.
“O companheiro tem, na minha opinião, o papel mais importante, e talvez o mais ingrato”, defende. “É a pessoa que está connosco todos os dias, em quem depositamos as nossas expectativas todas, que esperamos que nos ajude emocional e, mais para a frente, também fisicamente. É essencial para nos fazer sentir seguras, fortes e capazes, pode mudar por completo a experiência da gravidez”, acrescenta.
Grávidas têm vergonha de dizer que se sentem infelizes
Joana Mesquita Reis afirma que é “fundamental” haver uma “desconstrução social da ideia de que a gravidez representa “um estado de graça””, já que isto vai permitir “evitar sentimentos de culpa nas mulheres que não se sentem dessa forma” e prevenir “a ocultação de eventuais sintomas depressivos, promovendo a compreensão e a expressão de uma experiência mais negativa, se for o caso”.
“Ainda há muita pressão por parte da sociedade, principalmente da sociedade feminina mais velha, que nos fez acreditar durante muito tempo que correu tudo bem com elas, que estavam sempre muito felizes e que era tudo perfeito. E isso faz-nos sentir “menos” quando nos sentimos tristes durante a gravidez, porque se vamos ser mães, temos de estar felizes e não nos queixar”, defende Mariana, que pensa, no entanto, que essa tendência tem mudado.
“Já estamos a aceitar e a normalizar a depressão durante a gravidez e após o parto. Já estamos a validar-nos mais e às nossas sensações e sentimentos. E a educar as nossas mães, avós, sogras e companheiros”, afirma.
Prata Ribeiro esclarece que a depressão ligeira pode ser tratada através da realização de “psicoterapia e exercício físico numa primeira linha, aos quais infelizmente o acesso no Sistema Nacional de Saúde ainda não é satisfatório ” defende, mas nas “depressões moderadas a graves, o tratamento passa já por uma intervenção farmacológica com antidepressivos”.
“Numa gravidez, quando se sofre de depressão e se tem indicação para iniciar medicação antidepressiva, o acesso à medicação é benéfico tanto para a mãe, quanto para o bebé, com os benefícios do tratamento a superarem os riscos que apresentaria a doença não tratada”, defende o médico.
Porque é que as grávidas têm depressões? Como identificar os sinais
De acordo com Henrique Prata Ribeiro, existem múltiplos fatores que contribuem para o aparecimento de uma depressão durante a gravidez e “é muito difícil saber qual contribuiu com maior peso em cada um dos casos”.
Os fatores genéticos estão sempre presentes e algumas pessoas podem ter maior ou menor propensão para desenvolver uma doença mental, mas são igualmente acompanhados “pelo meio que circunda a mulher e que a influencia”, esclarece o especialista.
“A forma mais fácil de compreender estes fenómenos é pensando que a base genética pode tornar as pessoas mais ou menos resilientes aos fatores de stress, mas que fatores de stress mais violentos, assim como uma percepção de stress, conduzem com maior frequência ao desenvolvimento” de uma depressão, acrescenta.
A idade jovem, a suscetibilidade genética, a existência de doenças crónicas, de doença psiquiátrica prévia, o abuso de substâncias e ter uma personalidade vulnerável, por exemplo, são fatores não modificáveis que podem contribuir para o desenvolvimento de uma depressão na gravidez, explica Prata Ribeiro.
Já o nível socioeconómico, “talvez um dos principais fatores diretos e indiretos para a geração de stress nos dias que correm”, diz o especialista, ou haver um ambiente violento em casa, podem ser fatores modificáveis que também contribuem para condições deste tipo durante este período.
E há um conjunto de sintomas e sinais que podem indicar que uma mulher está a desenvolver uma depressão, como ter grandes alterações de humor, deixar de sentir prazer em realizar atividades que antes gostava, sentir cansaço, passar por alterações do sono e de apetite e sentir agitação ou mais lentidão, por exemplo, esclarece Joana Mesquita Reis.
Estas mulheres também desenvolvem frequentemente pensamentos negativos, “relacionados com a relação mãe-bebé, como sentir que não irão ser boas mães ou terem receio de fazer mal ao bebé”. “Um dos desafios da identificação de uma perturbação depressiva na gravidez é a sobreposição de alguns dos sintomas de depressão com a gravidez em si, como o cansaço ou as alterações do sono e do apetite, e a frequente desvalorização ou ocultação de determinados estados emocionais”, refere a pedopsiquiatra.
“Os profissionais que contactam com as grávidas devem mostrar disponibilidade de escuta e estar sensibilizados para a importância de avaliarem a presença destes sintomas, de forma a orientarem para o acompanhamento e tratamento necessários”, defende ainda.
Também deve realizar-se “a identificação de fatores de risco para o desenvolvimento desta perturbação, como haver história pessoal ou familiar de depressão, ser uma gravidez não planeada ou indesejada, ter havido complicações numa gravidez anterior, não ter suporte familiar ou ter experienciado eventos traumáticos”, remata a especialista.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) coloca as doenças mentais, nomeadamente a depressão, no topo da lista das doenças mais prevalentes e incapacitantes,