Comecemos pela explicação simples sobre o que é o fígado gordo não alcoólico, uma doença silenciosa, que pode evoluir até se tornar uma ameaça de morte. A tarefa base do fígado é filtrar as toxinas do sangue, enviando-as para o rim para serem eliminadas do organismo. Mas, é também no fígado que os alimentos que comemos se transformam em glicose, o açúcar que é a base de funcionamento das células. O açúcar em excesso acaba transformado em gordura, acumulando-se no órgão. Uma doença que é sinónimo de ingestão de bolos, refrigerantes e comida processada.
Em 2020, mais de um quarto dos portugueses tinha fígado gordo não alcoólico, estimando-se que se torne a primeira causa de transplante deste órgão. Nessa altura, era sobretudo o número crescente de crianças e adolescentes afetados que preocupava os especialistas. Os índices de gordura nessa faixa etária estavam elevados e, pelo menos, 5% tinha fígado gordo, a manifestação hepática da síndrome metabólica constituída por insulinorresistência (que progride para diabetes).
O estudo feito por investigadores do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CNC-UC) revela que a cafeína, os polifenóis (substâncias com função antioxidante) e outros produtos naturais encontrados no café podem contribuir para reduzir a gravidade da doença de fígado gordo não alcoólico (a doença que não está associada ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas) em pessoas com excesso de peso e diabetes tipo 2.
Esta conclusão vai permitir utilizar os metabolitos do café (como a teofilina) como um marcador não invasivo da progressão da doença de fígado gordo não alcoólico, acumulação de gordura no fígado, que pode levar à fibrose hepática e progredir para cirrose (cicatrização do fígado) e cancro hepático. É também uma complicação frequente em doentes com diabetes tipo 2, a forma mais frequente da diabetes, caracterizada por valores elevados de glicose no sangue, a hiperglicemia, devido à produção insuficiente de insulina (hormona que controla a entrada de glicose nas células do corpo) ou pela incapacidade do corpo em utilizá-la.
No estudo, liderado por John Griffith Jones, investigador do CNC-UC, e entretanto publicado na revista científica Nutrients, participaram voluntários recrutados pela Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal. Foram entrevistadas 156 pessoas obesas de meia-idade, das quais 98 com diabetes tipo 2, sobre os seus hábitos de consumo de café. Também foram recolhidas amostras de urina para analisar os metabolitos da cafeína.
“Os participantes que apresentaram maior consumo de café revelaram ter fígados mais saudáveis. Por sua vez, os indivíduos com valores elevados de cafeína mostraram ser menos propensos a ter fibrose hepática, enquanto que níveis mais altos de outros componentes do café foram significativamente associados a um baixo índice de fígado gordo, sugerindo que, para doentes com diabetes tipo 2 com excesso de peso, uma maior ingestão de café está associada a doença de fígado gordo não alcoólico menos grave”, detalhou Margarida Coelho, investigadora do CNC-UC e uma das primeiras autoras do estudo.
O estilo de vida mais sedentário, sem atividade física, associado a uma alimentação rica em açúcar e gordura contribuem, e muito, para o aumento da obesidade e da doença de fígado gordo não alcoólica em doentes com diabetes tipo 2.
Se à toma de um café, as pessoas conseguirem juntar uma caminhada ou um pequeno-almoço ou sobremesa mais saudáveis, está o caminho aberto para evitar a progressão da doença.