Se há algo capaz de provocar um duplo sentimento em relação à sua utilização é a creatina. Por um lado, adorada por jovens que, nas redes sociais, lhe atribuem todos os louros pelos músculos definidos e conseguidos a curto prazo, e, por outro, abominada por desencadear supostos efeitos secundários (provalvelmente por se confundir creatina com esteroides anabolizantes, compostos sintéticos de testosterona que desenvolvem exponencialmente o aumento da massa muscular).
Mas, afinal, a creatina tem realmente benefícios evidentes no crescimento da massa muscular? Jose Antonio, professor e especialista em creatina na Nova Southeastern University, na Flórida, explica que não é bem assim. “Não sei porque é que as pessoas inventam coisas acerca deste suplemento em particular”, disse ao The New York Times. “O mundo da creatina está repleto de desinformação apesar do grande- e crescente- número de evidências de que o suplemento pode melhorar o desempenho atlético em períodos curtos de treino e aumentar a massa muscular”, refere.
O que é então a creatina e quais os seus benefícios?
A creatina é uma molécula produzida no nosso organismo através de três aminoácidos- arginina, glicina e metionina-, e tem um papel essencial na produção de energia. Embora seja naturalmente produzida no fígado e nos rins, é possível aumentar os níveis de creatina existentes no organismo, recorrendo a uma dieta rica em carne vermelha, peixe ou frango- alimentos onde se verificam elevadas quantidades de creatina-, e a suplementos dietéticos.
É uma boa aliada para melhorar o rendimento desportivo: aumentar a força durante um treino de musculação, por exemplo, ou aumentar a velocidade numa corrida curta. Por outras palavras, é um suplemento que ajuda a alcançar os objetivos de forma mais rápida.
Mas engana-se se pensa que basta tomar creatina para conseguir aumentar a massa muscular. Apesar de ser uma aliada de quem pratica exercício físico e mantém uma alimentação equilibrada, a creatina tem um efeito geralmente pequeno para quem simplesmente faz ginásio, ciclismo ou joga futebol ao fim de semana. São os atletas de alta competição, para quem o tempo é um fator importante e vantagens de frações de segundos podem ser decisivas, quem mais beneficia com a sua utilização, explica a nutricionista Samantha Heller ao NYT.
Uma revisão recente de 35 estudos que estabelecem a relação entre a creatina e o desempenho físico concluiu que a ingestão do suplemento, aliada a treinos de resistência, aumentou a massa corporal magra – o peso do corpo menos a gordura – em mais de um quilo em adultos, independentemente da idade, sendo que os homens demonstraram ganhos superiores aos das mulheres.
Quanto aos efeitos que possa ter na massa muscular, Eric Rawson, professor de saúde e nutrição da Universidade Messiah, na Pensilvânia, esclarece ao NYT que o suplemento pode fornecer um pequeno aumento da massa muscular, mas “seja um ganho de 2, 3 ou 4%, nenhum suplemento dietético se compara a um treino adequado e aos hábitos de sono e nutrição”.
Desde a década de 90 que têm vindo a ser publicados estudos que exploram as vantagens do consumo de creatina e o que se verifica é que não se trata de um suplemento exclusivo para atletas, podendo também ser ingerida por idosos de forma a manter a massa e força muscular. Existem já investigações que sugerem que tomar creatina pode trazer benefícios cognitivos, como o estímulo da memória e atenuação dos sintomas de concussões ou lesões cerebrais traumáticas.
Possíveis efeitos secundários da utilização de creatina
A creatina é um dos suplementos sobre o qual recaem mais estudos e conta com mais informação disponível, ainda assim, não se livra da fama de gerar efeitos colaterais indesejáveis. Um dos mitos que circula na internet associa o consumo de creatina à queda de cabelo, o que não é comprovado por nenhum estudo científico.
Em 2009, foi realizada uma investigação que verificou um aumento de di-hidrostestosterona – um derivado da molécula de testosterona, que pode provocar o encolhimento dos folículos capilares do couro cabeludo- nos participantes que praticaram uma suplementação de 25 gramas por dia. Contudo, tal só aconteceu em três dos 13 participantes e sempre com quantidades acima das 20 gramas por dia- dose superior à recomendada de três a cinco gramas por dia. Ao contrário do que se verifica com a creatina, está cientificamente provado que a queda de cabelo é precisamente um dos efeitos da utilização de esteroides.
Por outro lado, é verdade que quem toma creatina pode sofrer de caibras ou dores de cabeça, mas, como demonstram as investigações científicas, tal só acontece quando se verifica uma dosagem de creatina superior a 20 gramas por dia.
Podemos, assim, riscar a creatina da lista de esteroides anabolizantes e prepararmo-nos para defender a sua reputação quer perante a onda de TikToks de jovens que garantem que a sua força hercúlea se deve à creatina como de quem teima em continuar a associar o suplemento a efeitos indesejáveis.