Além da genética, o envelhecimento da população portuguesa, a obesidade e o sedentarismo são fatores que têm contribuido para o desenvolvimento da diabetes em Portugal, mas também existem elementos ainda “mais determinantes” e com mais impacto nesta doença: a pobreza, o desemprego e a baixa escolaridade”.
Estas palavras são de José Manuel Boavida, endocrinologista e presidente da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), em declarações à VISÃO, que reforça, ainda assim, o problema do excesso de peso e da obesidade no desenvolvimento da diabetes. “A prevalência [da doença] nas pessoas obesas é quatro vezes maior do que nas pessoas com Índice de Massa Corporal dentro dos valores de referência”, afirma Boavida.
Além disso, o facto de não haver uma rotina que envolva exercício físico na “vida da grande maioria das pessoas em idade ativa” tem repercurssões para a saúde e é um dos passos para desenvolver uma doença como a diabetes, garante o médico. Estima-se que, até 2045, existam 700 milhões de pessoas afetadas pela doença e, apesar de o número de mortes por diabetes ter diminuído em 2020 comparativamente a anos anteriores – registaram-se cerca de 3500 mortes devido à doença – , a pandemia de Covid-19 pode ter “ocultado” o número de novos casos.
Esta situação fez com que haja, neste momento, vários diabéticos não diagnosticados, aumentando o risco de morte prematura e diminuindo a qualidade de vida, já que não existe controlo da doença para muitas pessoas. Além disso, esclarece o endocrinologista, estes dados referem-se “à diabetes como causa principal de morte, mas a doença aparece subestimada como causa secundária em pessoas que, além da diabetes, têm cancro, doenças cardiovasculares ou demências”.
De acordo com dados do Observatório Nacional da Diabetes, Portugal é um dos países europeus com uma das mais elevadas taxas de prevalência da diabetes: cerca de 13,3% da população entre os 20 e os 79 anos tem a doença, o que corresponde a mais de um milhão de pessoas.
“Falham em Portugal estruturas e recursos humanos na saúde que assegurem os rastreios à população”
José Manuel Boavida defende que, em Portugal, “ainda há muito a fazer no que toca à diminuição do risco de desenvolver diabetes, ao diagnóstico precoce e aos cuidados ideais”. “Falham estruturas e recursos humanos na saúde que assegurem rastreios sistemáticos à população e falha o facto de não termos médicos e enfermeiros de família suficientes para toda as pessoas”, afirma, referindo ainda que também existe “falta de especialização nos cuidados de saúde primários e nos hospitais”.
Haver diagnósticos desta doença mais cedo e investir nos rastreios e no acesso a cuidados de saúde pode, de facto, fazer a diferença, garante o endocrinologista. “A evidência mostra-nos que a implementação de medidas de prevenção pode reduzir o risco de desenvolver diabetes em mais de 60%” e ajudar a diminuir ou a retardar o risco do aparecimento das consequências associadas à diabetes, como enfartes do miocárdio, acidentes vasculares cerebrais, falência renal, cegueira e amputação dos membros inferiores, “com óbvia repercussão nos anos de vida saudáveis”, acrescenta. “A diabetes tira em média 8 anos de vida saudável e esse número pode e deve baixar”.
Já a nível social, o médico diz que o problema está no “próprio modelo de sociedade”. “É necessária e urgente a implementação de políticas de saúde que melhorem as nossas condições de vida e a escolaridade, orientadas para uma mudança que passe a integrar a atividade física na nossa rotina diária, incluindo o trabalho, e que facilite o acesso a produtos de alimentação saudável”, afirma Boavida.
Para a APDP, que acompanha pessoas com diabetes em Portugal, a estratégia para uma resposta eficaz ao desafio imposto pela doença passa, em primeiro lugar, por saber “quantas e como estão as pessoas que vivem com diabetes, através do desenvolvimento de sistemas de registo e partilha de dados de saúde, a nível nacional e europeu”.
Também é preciso saber, identifica o médico, “onde estão essas pessoas” e reforçar os “programas de rastreio e diagnóstico precoce das complicações”, além de ser necessário acompanhar a forma como são apoiadas. “Os fatores sociais, como a pobreza, o mau urbanismo, e as más condições de trabalho, por exemplo, estão associados a mais e pior doença. O suporte e o apoio social integrados com as respostas de saúde são fundamentais para que as pessoas com doenças crónicas atinjam resultados positivos na sua saúde”, garante Boavida.
“Os profissionais de saúde de proximidade são os que se encontram melhor posicionados para responder às necessidades das pessoas”, diz ainda o médico, ao acrescentar que saber controlar a doença, também através do “investimento em cuidados primários integrados”, é essencial para assegurar que as pessoas com diabetes vivam vidas longas e saudáveis”. E a prevenção, com a implementação “políticas de promoção da vida ativa, de acesso à alimentação saudável e de apoio à produção de produtos alimentares saudáveis”, também é uma arma muito importante, remata Boavida.