O mais recente Inquérito Nacional de Saúde do Instituto Nacional de Estatística, revela que 43% das mulheres e 30,9% dos homens foram diagnosticados com dores lombares ou outros problemas crónicos nas costas. A pandemia e a mudança de hábitos e rotinas à boleia das novas regras sanitárias e dos confinamentos parecem ter agravado a situação e, perante esta nova realidade, a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) designou 2021 como o Global Year About Back Pain (Ano Global Sobre a Dor na Coluna, traduzido para português), de forma a alertar para a importância da prevenção daquela que é uma das principais causas de incapacidade, absentismo laboral e ida às Urgências.
“A dor de costas é dos problemas mais comuns nas sociedades ocidentais, é a principal queixa que leva os doentes com dor crónica ao médico, é a principal causa de incapacidade”, começa por dizer o médico ortopedista Nuno Neves, também presidente da direção da Sociedade Portuguesa de Patologia da Coluna Vertebral (SPPCV). Segundo o especialista, a dor de costas, mais particularmente a lombalgia, “afeta cerca de 80% a 90% das pessoas alguma vez na vida, e sabe-se que cerca de um quarto a 30% da população sofre regularmente de dor de costas”, tratando-se de uma “situação prevalente”.
A prevenção continua a ser o grande apelo dos especialistas e a forma mais eficaz de evitar o aumento de casos de dores de costas, sejam agudas ou crónicas, sobretudo quando em causa está o estilo de vida. “Na maioria dos casos, as alterações degenerativas ocorrem à medida que envelhecemos, é um processo natural, mas todo o nosso processo preventivo do nosso dia a dia é muito importante, desde a perda de peso ao exercício físico, uma boa postura, fazer corretamente os agachamentos quando levantamos pesos, isto são tudo coisas que ao longo da vida vão prevenir que haja um maior desgaste e que a dor apareça também”, garante a anestesiologista Sara Freitas.
Dor de costas: O desesperante dia a dia dos doentes
De um modo geral, os tratamentos para a dor de costas podem ser divididos em três grandes áreas e seguem uma escala, quase degrau a degrau, em que se passa para o tratamento seguinte se o anterior não for eficaz. Salvo exceções, a cirurgia é a última opção.
Tratamento conservador
Esta é a linha inicial do tratamento das dores nas costas e baseia-se, sobretudo, “num conjunto de orientações que passam pela medicação, pela medicina física e de reabilitação e reeducação postural e pelo reajustamento da pessoa em termos das suas condições de vida pessoal e profissional”, refere Luís Teixeira, médico ortopedista e cirurgião da coluna vertebral e fundador do Spine Center.
Mudança de hábitos
Perante uma dor de costas sem uma patologia na origem, melhorar o estilo de vida e alguns hábitos diários pode ser o suficiente. “Evitar o tabaco, comer bem, descansar, tentar arranjar estratégias para evitar estar tempo de mais na mesma posição, melhorar a ergonomia do seu local de trabalho, fazer pausas de um minuto ou dois são suficientes para fazer descansar a coluna e são hábitos que devemos integrar no nosso dia a dia para que haja menos dores de costas”, diz Nuno Neves, da Sociedade Portuguesa de Patologia da Coluna Vertebral (SPPCV).
Medicamentos
Os fármacos são das primeiras opções para a dor aguda, mas “esperar resolver com analgésicos um problema crónico não vai ser eficaz, pois a dor crónica precisa de um tratamento crónico, como mudanças de hábitos”, diz o presidente da direção da SPPCV. Porém, o tratamento farmacológico pode também fazer parte do combate à dor de costas crónica e do leque de fármacos mais usados, seja para a dor aguda ou crónica, o cirurgião Luís Teixeira destaca os “analgésicos (medicamentos que funcionam no alívio da dor), os anti-inflamatórios (algumas causas de dor têm processos inflamatórios associados e este medicamento, ao diminuir a inflamação, diminui a dor) e os relaxantes musculares (sabemos que, em alguns casos, a dor está associada a contraturas musculares e, portanto, o relaxamento muscular favorece o alívio da dor)”. Hoje, há ainda um outro tipo de fármacos, os neuromoduladores, “que servem para alterar, modelar a velocidade de condução nervosa, muito usados na dor neuropática”, acrescenta o cirurgião.
Medicina física e de reabilitação
Ainda na linha de tratamentos conservadores estão os chamados tratamentos “não farmacológicos, como as técnicas de terapia manual, as mobilizações, as manipulações, massagem, as técnicas de fisioterapia”, explica a médica Inês Campos. O ortopedista Nuno Neves destaca a importância do exercício físico, especialmente o que trabalha “a parte da musculatura postural, aquilo que chamamos o core”. Já Luís Teixeira, realça as técnicas de reeducação postural generalizada (RPG), que podem ser feitas em fisioterapia, e a “necessidade de aumentar a flexibilidade, a elasticidade da coluna vertebral com um conjunto de exercícios que fomentam o alongamento muscular e ligamentar, sendo o Pilates o mais prescrito”.
Técnicas percutâneas
Trata-se de técnicas pouco ou nada invasivas em que, com recurso a agulhas ou cânulas, se chega a um ponto específico da coluna, sem que para isso seja necessário uma incisão grande. Neste procedimento, o raio-X é uma ferramenta de auxílio, pois permite uma melhor visibilidade do processo. O tipo de técnica percutânea, se feita com laser ou radiofrequência, por exemplo, depende do tipo de dor ou lesão em causa. Neste tipo de procedimento, “podem ser administrados medicamentos como anestésicos locais nas facetas articulares, em articulações como a sacroilíaca, e também corticosteróides, que aliviam a inflamação”, refere Luís Teixeira.
Bloqueios ou infiltrações
Os medicamentos ou anestésicos são administrados diretamente na zona a tratar, aumentando a eficácia do fármaco. Este procedimento ajuda a aliviar a dor.
Radiofrequência
A radiofrequência ‘chega’ à zona da coluna a tratar através de um elétrodo (uma espécie de agulha). No caso da coluna, é comum a denervação facetária, trata-se de “um tipo de técnica que alivia a dor por um bloqueio nervoso das raízes sensitivas que normalmente estão associadas a algumas articulações e que são causadores de dores”, esclarece o cirurgião Luís Teixeira.
Crioablação
Este procedimento, diz Luís Teixeira, “ao contrário da radiofrequência que faz calor, utiliza o frio, é na mesma um cateter, mas tem uma pontinha diferente, uma espécie de elétrodo, que dessensibiliza as terminações nervosas, ou seja, aquelas terminações que existem e emitem um sinal de dor ao cérebro deixam de transmitir isso porque deixam de estar a funcionar”.
Vertebroplastia
Com o objetivo de estabilizar e fortalecer as vértebras lombares, este procedimento foca-se no preenchimento e pode ainda travar terminações nervosas causadoras de dor.
Adesiólise
“Nos canais estenóticos, que não tenham indicação cirúrgica, é possível fazer descompressão percutânea, um procedimento chamado adesiólise, que no fundo é destruir toda a fibrose que há através de um catéter que é inserido pelo hiatus sagrado”, afirma Mariano Veiga.
Laser percutâneo
É um dos procedimentos que tem vindo a ganhar espaço no tratamento da hérnia discal e recorre a vários tipos de tecnologia de laser percutâneo, “como se fosse uma agulha com controlo de raio-X” que é inserida até ao núcleo do disco, dando-se a “aplicação de uma corrente elétrica que faz com que o núcleo retraia ligeiramente e a hérnia diminua”, explica Mariano Veiga.
Terapia regenerativa no disco
Segundo o anestesiologista do Hospital CUF Descobertas, um outro procedimento “que está a começar a crescer, em particular nos EUA, é o uso de terapia regenerativa no disco, [que consiste em] usar fatores de crescimento dependentes das plaquetas, por exemplo, para tentar voltar a dar alguma vida a um disco que já esteja ligeiramente degenerado”.
Cirurgia
“As indicações cirúrgicas da coluna têm que ver com situações que não são lombalgias inespecíficas, são para quando existe compromisso neurológico, compressão de um nervo ou de raízes nervosas, quando há um défice da força dos membros ou défice de sensibilidade dos membros, se existe algum traumatismo com fratura vertebral”, exemplifica a médica Inês Campos, do CMM – Centro Médico de Aveiro. Na maioria dos casos, afirma o cirurgião Luís Teixeira, “o doente não precisa de ser operado”, no entanto, não deixa de destacar o facto de este procedimento ter evoluído bastante nos últimos anos, verificando-se um “aumento da segurança e o uso de técnicas cada vez menos agressivas e menos invasivas”.
Via clássica
Este é o procedimento cirúrgico mais antigo, pode não necessitar de apoio de imagem (como raio-X) e a incisão é maior, tornando-o mais invasivo e de recuperação mais lenta.
Cirurgia por navegação
É um dos tipos de cirurgia pouco invasivas e “permite colocar implantes com controlo de TAC e imagens 3D, aumentando muito a segurança de colocar os implantes precisos no sítio certo. Sem navegação, as taxas de implantes mal colocados poderiam rondar os 15% a 20% e, com navegação, as taxas de implantes mal colocados nas principais casuísticas são inferiores a meio por cento”, garante Luís Teixeira.
Cirurgia robótica
“Já fizemos experimental-mente em Portugal, em maio deste ano, a utilização de cirurgia robótica, que são braços robóticos de auxílio ao cirurgião, um robô que não vai substituir o papel do cirurgião, vai ser um auxiliar durante a cirurgia de maneira a aumentar a sensibilidade, a aumentar o rigor e a precisão dos atos e gestos cirúrgicos, mas caberá sempre ao Homem determinar qual a técnica, qual o procedimento, qual a via de abordagem para além de ter de resolver qualquer complicação durante o ato cirúrgico”, diz o fundador da Spine Center.
Cirurgia endoscópica
Neste procedimento, é usada uma câmara que vai, de uma forma mais próxima do que o habitual, à zona a tratar. A cirurgia endoscópica da coluna lombar por via transforaminal pode ser usada para extrair uma hérnia discal lombar.