Depois de um ano de intervalo, retomam esta quinta feira as Jornadas de Atualização em Doenças Infecciosas do Hospital Curry Cabral. E, como não podia deixar de ser, na quarta feira, o dia de pré-jornada, dedicado a um curso relacionado com um tema único, foi inteiramente dedicado à Covid-19.
A abrir as hostes, no auditório da Culturgest, a Ministra da Saúde Marta Temido relembrou que a pandemia nos “confrontou com a fragilidade da condição humana”, obrigou-nos a “privilegiar o essencial em detrimento do supérfluo”, pôs a nu o impacto da pobreza e das desigualdades sociais na transmissão de doenças infecciosas e deu-nos uma “lição de esforço, estudo e análise da Ciência como lugar onde não há verdades imutáveis e absolutas, mas onde se encontra a chave para o progresso e o futuro”.
A ministra deixou ainda uma palavra de agradecimento ao trabalho desenvolvido nos últimos dois anos pelos profissionais de saúde, momento em que alguns dos presentes murmuraram, no entanto: “ainda bem que temos memória curta”.
Aquele que Fernando Maltez, presidente das Jornadas de Atualização em Doenças Infecciosas, definiu como “o maior desastre de Saúde Pública da nossa geração”, deixou ensinamentos preciosos que os especialistas esperam usar no futuro, na prevenção e controlo de mais pandemias. “Porque elas virão não tenham dúvidas”, assegurou o pneumologista Filipe Froes ao auditório da Culturgest, repleto de profissionais de saúde.
A pandemia foi o maior desastre de Saúde Pública da nossa geração
fernando maltez – presidente das Jornadas de Atualização em Doenças Infecciosas do hospital curry cabral
Ao longo de quatro horas, diversos especialistas desenharam o retrato de uma pandemia que está cada vez mais próxima do fim. Vários temas foram abordados, da história epidemiológica do SARS-CoV-2 aos mecanismos celulares de transmissão do vírus, passando pela apresentação clínica, radiológica e laboratorial da doença, particularidades na criança, vacinação e sequelas.
Destacaram-se as intervenções da consultora para a área da resposta à Covid-19 da Direção Geral da Saúde (DGS), Helena Rebelo de Andrade, sobre a estratégia nacional de testagem, e a do pneumologista Filipe Froes, sobre o estado da arte da abordagem terapêutica da doença.
“A estratégia de testagem focar-se-á cada vez mais na pessoa sintomática”
No dia em que a norma 019/2020 da DGS, relativa à Estratégia Nacional de Testes para SARS-CoV-2, foi atualizada, Helena Rebelo de Andrade deixou antever um pouco do que aí virá.
“A estratégia de testagem focar-se-á cada vez mais na pessoa sintomática e os rastreios comunitários serão substituídos por rastreios em unidades de saúde e nas populações vulneráveis”, revelou a especialista.
Uma vez que a variante Ómicron demonstrou um pico de infecciosidade mais curto e rápido (três a seis dias em confronto com os três a oito da Delta) e o início dos sintomas ao terceiro dia, ao contrário do que acontecia com a Delta (quarto dia), a norma atualizada da DGS prevê o abandono da testagem dos contactos de baixo risco e aceita os autotestes como a estratégia mais veloz para confirmar se os contactos de alto risco estão ou não positivos.
Perante um resultado positivo no autoteste deve então ser realizado um teste confirmatório por PCR ou rápido de antigénio de uso profissional, preferencialmente, no prazo de 24 horas e um segundo teste entre o terceiro e o quinto dia desde a data da última exposição ao caso confirmado.
“Precisamos de medicamentos como complemento às vacinas”
O pior já passou. Isso é certo. “Nem valorizamos os 50 mil casos diários, porque não estão associados à gravidade que tivemos na segunda ou na terceira onda, em que chegamos a ter mais de 900 doentes internados em cuidados intensivos”, relembra Filipe Froes.
Ainda que tenhamos tendência a exigir das vacinas uma proteção total contra infeção, impossível segundo o médico, o facto é que elas “salvaram, em Portugal, entre dezembro de 2020 e novembro de 2021, 14 222 vidas de pessoas com mais de 60 anos” e ajudaram-nos a chegar a um ponto de controlo da doença grave que abre agora portas para pensar melhor na terapêutica.
“No decurso dos últimos meses temos tido capacidade de intervenção cada vez mais precoce, quer em termos terapêuticos, quer em termos de profilaxia, com anticorpos mono-clonais, e temos antivirais específicos”, revelou Froes.
As vacinas salvaram, em Portugal, entre dezembro de 2020 e novembro de 2021, 14 222 vidas de pessoas com mais de 60 anos
filipe froes – pneumologista
Neste momento, além da vacinação, está autorizado no nosso país o anticorpo monoclonal Sotovimab, que pode ser utilizado no tratamento inicial de pessoas com fatores de risco para a hospitalização (redução em cerca de 79% da evolução para hospitalização ou morte em pessoas não vacinadas) e vários antivíricos, do Paxlovid (redução em cerca de 89% da evolução para hospitalização ou morte em pessoas não vacinadas), ao Langevrio (eficácia de 31% na redução para formas graves de doença ou morte) ou o Remdesivir, o qual, segundo estudos recentes, é eficaz a evitar a progressão para formas graves de doença, se usado precocemente em ambulatório.
“Precisamos de medicamentos como complemento às vacinas”, defendeu Froes, relembrando que “há população que não pode ser vacinada, há população que tem reações de hipersensibilidade à vacina e há população que não tem capacidade de montar resposta imunitária à vacina”.
Os medicamentos surgem ainda como uma alternativa caso surja uma variante que ponha em causa a total eficácia das vacinas.