Um estudo publicado na revista Archives of Pathology & Laboratory Medicine descreve um risco recém-descoberto da Covid-19 para grávidas não vacinadas e para o desenvolvimento dos fetos. Segundo a investigação, o vírus pode ser a causa de danos fatais na placenta e conduzir à asfixia e morte do feto.
A placenta é um órgão vital no crescimento de feto, assegurando funções base como o transporte de nutrientes e oxigénio, a eliminação de produtos tóxicos e assumindo-se também como uma barreira contra bactérias. Se comprometidas estas atividades, o feto pode sofrer danos significativos que podem, inclusive, conduzir à sua morte.
De acordo com o estudo, “anormalidades placentárias são a principal causa identificável de nado-mortos. Como resultado, o exame da placenta é uma ferramenta extremamente importante para a determinação da causa da doença perinatal”.
A pesquisa publicada esta quinta-feira envolveu análises a 68 nado-mortos em 12 países com o objetivo de “avaliar o papel da placenta na origem de nado-mortos e morte neonatal após infeção materna com COVID-19”, indica a pesquisa. Os resultados mostraram que os 68 bebés ou nasceram já mortos ou morreram sete dias após o seu nascimento e que nenhuma das respetivas mães era vacinada, mas todas elas tinham sido infetadas pelo SARS-CoV-2 durante a gravidez. O estudo implicou ainda a análise de todas a 68 placentas e a realização de 30 autópsias.
“Nunca vimos este nível de destruição numa doença infecciosa antes. Isto tornou a placenta imprópria para cumprir as suas funções”, explicou David Schwartz, patologista perinatal em Atlanta que liderou o estudo. “Os fetos e recém-nascidos morreram por asfixia devido à falta de oxigénio”, acrescentou.
A condição verificada pelos 44 médicos que integraram o estudo diferia de outras doenças infeciosas que afetam os fetos como é o caso da sífilis, zika ou rubéola. Neste caso, “não é o feto que é atacado e destruído pelo vírus. É a placenta”, diz Schwartz.
“Placentas infetadas com o vírus tiveram um padrão significativamente diferente (…) do que as placentas não infetadas, independentemente do estado de infeção do recém-nascido”, refere o estudo.
De facto, “a maioria das autópsias (…) não revelou anormalidades fetais significativas”, a não ser asfixia e hipóxia, de que alguns fetos terão sido alvo.
Por outro lado, todas as 68 placentas analisadas apresentaram uma condição denominada pelos investigadores como “placentite por SARS-CoV-2” que consiste numa infeção da placenta caracterizada por três fatores: a deposição de fibrina que causa a coagulação do órgão e que foi considerada a “anomalia mais frequente” por esta presente em todos os casos, a morte de células na camada celular protetora da placenta e a inflamação incomum na placenta.
Posto isto, e segundo a pesquisa, “não havia evidências de que o envolvimento do feto com SARS-CoV-2 tivesse um papel na causa dessas mortes” que parecem ser inteiramente uma consequência dos danos sofridos pela placenta.
Em média, mais de três quartos da placenta, ou 77%, apresentaram danos que comprometeram o fornecimento de oxigénio e nutrientes ao bebé por parte do órgão, “resultando em nado-mortos ou morte neonatal precoce”, explicou Schwartz em comunicado.
A deposição de fibrina pode ocorrer em gravidezes que não apresentam qualquer tipo de complicações, mas tal só acontece até “certo nível”. Os registos de fibrina nas placentas analisadas indicavam níveis muito superiores “a circunstâncias normais” e provaram-se, inclusive, demasiado elevados para a sobrevivência dos fetos, segundo a pesquisa.
Um risco acrescido
Em declarações à NBC News, Kjersti Aagaard, professor de medicina materno-fetal do Baylor College of Medicine e do Texas Children’s Hospital que não participou na pesquisa, referiu que a morte de um feto resultado de uma infeção da COVID continua a ser uma ocorrência rara, mas isso não anula o facto de a infeção aumentar o risco da gravidez, o que deve ser tido em conta.
A própria gravidez aumenta a probabilidade de infeções resultado de um natural enfraquecimento imunológico que acompanha as alterações hormonais que surgem nesta fase. A COVID, no entanto, difere de outras infeções pela forma como afeta o desenvolvimento do feto e, concretamente, a placenta. Danos controlados e localizados da placenta podem não resultar em nenhum tipo de complicação, no entanto, quando generalizados, podem, na pior das hipóteses, conduzir à morte do feto.
Segundo Schwartz, algumas pesquisas iniciais indicam que a placentite por SARS-CoV-2 pode ocorrer num período que varia entre alguns dias até duas semanas. Numa tentativa de detetar antecipadamente qualquer perigo para o bebé, os obstetras já foram aconselhados a submeter mulheres que foram infetadas com COVID durante a gravidez a ultrassons no terceiro trimestre.
“Os obstetras veem situações de insuficiência placentária na sua profissão muitas vezes. Não se pode reverter isso, mas pode considerar-se retirar o bebé. Se for medicamente viável, tiramos o feto de lá”, disse Schwartz.
Vários relatórios e experiências anteriores ao estudo indicam que “um número crescente de mulheres grávidas infetadas com SARS-CoV-2 tinha nado-mortos”, segundo a própria pesquisa.
Um estudo publicado em novembro do ano passado pelo Centers for Disease Control and Prevention (Centro de Controlo e Prevenção de Doenças) reitera que “entre março de 2020 e setembro de 2021, mulheres norte-americanas com COVID-19 apresentaram um risco superior de nado-mortos em comparação com mulheres sem COVID-19”, contando com um aumento quase três vezes superior durante a onda delta. No período anterior à variante delta, os nado-mortos resultantes de infeções por COVID-19 das mães rondava os 0,98%, tendo atingindo os 2,7% com a chegada da variante delta.
Apelo à vacinação
Já vários médicos vieram apelar à vacinação das mulheres grávidas, não apenas para se protegerem a si mesmas, mas também ao bebé. Aagaard assegura que “embora haja muitas coisas que não sabemos como prevenir na gravidez, incluindo nado-mortos não relacionados com a COVID-19, podemos prevenir nado-mortos relacionados com a COVID-19 com uma vacina”.
O Centers for Disease Control and Prevention, o American College of Obstetricians & Gynecologists e a Society for Maternal-Fetal Medicine são apoiantes da vacinação de mulheres grávidas contra a COVID e algumas iniciativas e pesquisas foram feitas no sentido de reduzir as reservas que ainda existissem em relação ao tópico.
Um exemplo disso seria o estudo israelense que terá incluído análises a mais de 24 mil bebés e que advertiu que não existem diferenças nos riscos de parto prematuro ou de bebés cujo peso é inferior a 2500 gramas, considerados baixo peso, entre mães vacinadas ou não vacinadas. Também não se verificam diferenças significativas no número de bebés internados nos primeiros cinco meses de vida. Segundo a pesquisa publicada no JAMA Pediatrics, a vacina não aumenta o risco em nenhuma das situações mencionadas.
“Estes dois estudos lado a lado reforçam a noção de que a melhor decisão que qualquer grávida e sua família podem tomar neste momento é tomar a vacina contra a Covid”, assegura Aagaard.
Segundo a PORDATA, Portugal apresentou, em 2020 uma taxa de mortalidade neonatal de aproximadamente 1,7%, ou seja a cada mil nascimentos ocorrem 17 mortes seja durante a gravidez ou nos primeiros 27 dias pós parto.