Considerada “segura e eficaz” pela Agência Europeia do Medicamento (EMA), a terceira dose da vacina da Pfizer está a cinco dias de começar a ser administrada a milhares de portugueses com mais de 65 anos.
Apesar das boas notícias, muitas pessoas questionam-se por que razão, ao contrário do que acontece com o sarampo, a varicela ou o tétano, cujo intervalo entre as doses de reforço das vacinas chega a ser de décadas, a Covid-19 precisa de três doses num só ano.
Segundo o investigador principal o Instituto de Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade Nova de Lisboa (IMM), Miguel Prudêncio, a comparação “não é justa”. O especialista destaca dois aspetos fundamentais – a idade de inoculação e o facto de o nosso organismo ter reações muito diversas consoante o agente patogénico que o ataca – e sublinha que o surgimento de uma dose de reforço não representa uma perda total da proteção que foi conseguida, “apenas um decréscimo pouco acentuado dessa proteção”.
Uma questão de idade
A menos de um ano da primeira vacina contra a Covid ter sido administrada no mundo, os especialistas têm vindo a analisar uma “relativa perda de eficácia nas pessoas mais idosas ou que foram vacinadas com uma idade mais avançada”, explica Miguel Prudêncio.
O especialista assegura que, apesar de ultimamente este fenómeno ter estado sob particular escrutínio no que respeita as vacinas contra a Covid, não é exclusivo das mesmas. “O sistema imunitário não funciona tão bem em pessoas mais idosas e, portanto, é natural que, quando a pessoa é vacinada aos 70 anos, tenha uma resposta imunitária menos robusta e duradora que uma pessoa vacinada aos dois anos de idade”.
À exceção da gripe, “contra a qual vacinamos todos os anos”, Miguel Prudêncio refere que não é frequente vacinar pessoas mais idosas “cuja resposta à vacina não é tão robusta como em pessoas mais jovens”.
E exmplifica: “na vacina do sarampo, estamos a vacinar crianças muito pequeninas com uma resposta imunitária à vacina muito mais robusta, logo desde o início”. Para o investigador principal do IMM não se pode comparar a duração da resposta imunitária e da proteção que acontece numa vacinação feita numa idade muito jovem com aquela que é feita numa idade mais avançada.
A vacinação das camadas mais jovens, relativamente recente, dificilmente pode ser usada para retirar conclusões quanto à duração da imunidade nestas faixas etárias, deixando a porta aberta à especulação e à esperança. “Pode ser que os dados venham a mostrar o contrário, mas, para já, não temos nada que nos diga que vamos precisar de doses de reforço nos tempos mais próximos em pessoas mais jovens”, afirma Miguel Prudêncio.
Para o investigador principal do IMM, em teoria, é até “perfeitamente equacionável” que, em pessoas vacinadas em idades mais jovens, a vacina contra a Covid possa durar a vida toda. “Não passou tempo suficiente para podermos saber isso. Pode ser que, daqui a 10 anos, quem foi vacinado contra a Covid com 20 anos ainda esteja protegido, temos de ir vendo”.
Cada vírus é um vírus
Além da questão da idade, Miguel Prudêncio relembra que cada vírus é um vírus e que o nosso organismo reage de formas muito diferentes a cada agente patogénico. “O tipo de resposta vai depender das características específicas do estímulo”, seja ele uma infeção ou uma vacina. Basta pensar que ao apanharmos sarampo uma vez na vida não voltaremos a ter a doença, algo que não acontece no caso da Covid-19.
Também Rustom Antia, professor de biologia da Emory University que estuda as respostas imunológicas, referiu ao The Wall Street Journal que o limite de proteção contra uma doença “é o nível de imunidade suficiente para evitar a mesma. Para cada vírus é diferente, e até mesmo a forma como esse limite é determinado varia”.
Ainda assim, historicamente, as vacinas mais eficazes, como as do sarampo e da varicela, utilizam vírus vivos enfraquecidos que se replicam. As vacinas não replicáveis ou à base de proteínas (como a do tétano) não duram tanto, podendo a eficácia ser aumentada através da adição de um adjuvante (uma substância que aumenta a magnitude da resposta).
No que respeita as vacinas contra a Covid-19, é importante relembrar que as da Johnson&Johnson e da AstraZeneca usam adenovírus inativado e sem nenhum adjuvante e as de RNA mensageiro da Pfizer e Moderna não contêm sequer nenhum vírus. Para complicar a equação há ainda a questão de o SARS-CoV-2 mutar mais que o vírus do sarampo, como explica Miguel Prudêncio.
No entanto, o especialista considera que seria preciso surgir uma variante capaz de aniquilar totalmente a eficácia da vacina, para que se revelasse um verdadeiro problema e relembra que, nesse caso, “não teria a ver com a questão da duração da proteção, mas com a afinidade entre a vacina e o vírus mutado, algo que, de resto, também poderia acontecer com outras vacinas, se surgisse, por exemplo, uma mutação muito diferente do vírus do sarampo”.
Chegou então a hora das vacinas de segunda geração?
“Não acho que, neste momento, elas sejam uma urgência”, afirma Miguel Prudêncio. “As vacinas que temos têm-se mostrado muito eficazes a combater as formas mais graves da doença, contra quaisquer variantes até agora identificadas”, justifica o especialista.
No entanto, uma vez que, ao falarmos de vacinas de segunda geração podemos estar a falar de muitas coisas, desde vacinas desenhadas para serem especificamente protetoras contra uma eventual variante que venha a surgir até vacinas especificamente desenhadas para, além de proteger, combaterem a transmissão, passando por vacinas que, por exemplo, produzam respostas imunitárias ao longo de mais tempo, evitando a necessidade de reforços, o investigador vê-as, sobretudo, como “um passo muito importante em termos de conhecimento e tecnologia na preparação para o futuro, seja este o da vacinação contra a Covid ou da vacinação contra outras doenças”.