Paula Encinas, jogadora de futebol profissional do Benfica, lembra-se de começar a sentir os eczemas que cresciam na sua pele com apenas cinco anos, apesar de ter sido diagnosticada com dermatite atópica muito antes disso, ainda em bebé. “Ficava vermelha e inflamada e tinha muita comichão na parte de trás dos joelhos e perto dos cotovelos, principalmente no verão, quando estava mais calor e transpirava muito”, conta à VISÃO a jovem espanhola, agora com 23 anos.
A dermatite atópica manifesta-se, normalmente, pela primeira vez, em idade pediátrica – em Portugal, estima-se que a prevalência de crianças com dermatite atópica seja de 15% a 25% – e é crónica e recidivante, ou seja, vai piorando e melhorando ao longo do tempo. “Os eczemas agravam e aparecem mais quando estou mais stressada, com mais trabalho ou numa etapa de mudanças”, explica Encinas, que, aos 18 anos, trocou Espanha por Portugal para integrar uma equipa de futebol em Braga. “Os médicos diziam que depois da adolescência os eczemas talvez desaparecessem, mas esta mudança repentina na minha vida fez com que a doença piorasse. Acho que a gravidade depende muito do ritmo e fases de vida em que estamos”, acrescenta a atleta.
As zonas de contacto pele com pele, ou seja, as zonas do corpo com pregas – pescoço, face anterior dos braços e atrás dos joelhos – são as mais frequentes de aparecimento de eczemas nas crianças maiores, mas nos bebés as áreas caraterísticas já são outras e nos adultos existem diferentes padrões, explica à VISÃO Pedro Mendes Bastos, médico especialista em Dermatologia e Venereologia e consultor científico da ADERMAP, Associação Dermatite Atópica Portugal. Tudo depende do doente e da sua situação.
Apesar de ter eczemas ativos quase todos os dias, Paula Encinas diz ter a doença controlada e, quando está numa altura mais tranquila, consegue tratá-la com cremes hidratantes adequados, o que acontece normalmente em idades adultas, esclarece Pedro Bastos. “É muito importante distinguir o que é uma dermatite atópica ligeira de uma moderada a grave”, afirma. Isto porque as consequências físicas e emocionais de cada uma são completamente diferentes e os tratamentos realizados para as combater também, diz. A doença torna-se grave quando as pessoas deixam de conseguir viver normalmente, podendo até ter perturbações do sono devido às dores provocadas pelos eczemas, sofrer de ansiedade e depressão. Além disso, “as crianças podem ter problemas escolares e dificuldades de concentração”, esclarece o especialista.
Nuno Giesta tem 22 anos e os seus problemas de pele começaram a surgir quando era ainda pequeno, associados à rinite, conjuntivite alérgica e asma que de que já sofria. Foi diagnosticado com dermatite atópica no início da adolescência, com cerca de 13 anos, quando as lesões na pele começaram a tornar-se maiores. A sua família começou por recorrer aos serviços de saúde particulares, mas os eczemas eram cada vez maiores, mais dolorosos e os custos para os tratar muito elevados. Quando o jovem entrou para a universidade, a doença piorou ainda mais, muito devido ao stress, e as crises tornaram-se mais graves, sendo que os tratamentos que fazia até então já não resultavam.
“A imagem começou a ficar muito má, não conseguia dormir com as dores e psicologicamente ficou muito afetado. Era um círculo vicioso”, conta à VISÃO Maria João Giesta, mãe de Nuno. O jovem acabou por recorrer ao público, de forma a ter acesso a tratamentos inovadores.
As terapêuticas utilizadas para tratar esta doença são dispendiosas e comparticipadas pelo Estado apenas no hospital público, “o que se torna injusto para os doentes com dermatite atópica”, afirma o dermatologista Pedro Bastos. “Há um plano para quem tem psoríase, por exemplo, que dá acesso a doentes com este problema aos medicamentos também no privado. Está em cima da mesa também um plano para se conseguir o mesmo para os doentes com dermatite atópica”, acrescenta.
Quando se fala de dermatite atópica ligeira, utilizam-se basicamente produtos de aplicação na pele, os produtos tópicos. Por um lado, existem os cremes hidratantes e produtos de higiene adequados, que reforçam a função barreira da pele. Caso o doente tenha uma crise, é aconselhado a tomar medicamentos tópicos, que podem ser de dois grupos: os corticosteroides e os inibidores da calcineurina. “Os corticosteroides derivam da cortisona e os inibidores da calcineurina são uma nova classe de cremes e pomadas que não têm os efeitos da cortisona e ajudam a controlar a doença”, explica o médico. Existem várias potências e formulações e, por isso, tem de se analisar o que é mais adequado a cada doente.
Se a dermatite for considerada moderada ou grave – o caso de Nuno -, “pressupõe-se que o doente cumpre todos os tratamentos de uma dermatite ligeira, ou seja, já hidrata a pele todos os dias, utiliza os produtos de higiene adequados, usa roupa apropriada e sabe utilizar os produtos tópicos”, diz Pedro Bastos. “Se ainda assim a doença não ficar controlada, se o doente tiver muitas crises e eczemas graves, tem de se realizar um tratamento que consiga fazer o que os medicamentos tópicos e cremes não fizeram. Nestes casos, utilizam-se os imunomoduladores, que modulam o sistema imunitário, que podem ser comprimidos ou injetáveis”, esclare o médico.
Neste momento, a dermatite de Nuno Giesta está mais ou menos controlada, apesar de existirem fases piores, caraterística desta doença. Para o jovem, a dermatite é altamente incapacitante: além de ter dificuldades de locomoção, já que tem dores nos joelhos quando dobram, por exemplo, não pode ir com os amigos a uma piscina e, quando os eczemas são muito grandes, chega a ficar sem sobrancelhas. Além de todos os medicamentos para a asma e rinite que tem de tomar todos os dias e dos cremes hidratantes que aplica diariamente, continua a tomar corticoides, além de um injetável a cada duas semanas.
“Claro que os tratamentos são agressivos e têm consequências, por isso não são recomendados a pessoas que não têm a forma moderada a grave da doença”, explica o médico Pedro Bastos. “Mas esta doença afeta muito a vida dos doenre, por isso é importante que seja tratada”, acrescenta. Ou seja, tem de se tentar encontrar um equilíbrio.
Têm sido desenvolvidas novas soluções terapêuticas e investigações acerca de medicamentos inovadores para o tratamento da dermatite atópica moderada a grave. “Vivemos tempos de grande esperança para quem sofre desta doença”, afirma o dermatologista.
“Não é fácil lidar com esta doença em termos financeiros, porque posso chegar a gastar apenas num mês 250 a 300 euros para a tratar. É um grande esforço que faço”, conta Encinas. Também Nuno Giesta despende mensalmente cerca de 200 euros em cremes hidratantes, produtos de higiene adequados e medicamentos.
“O valor anual médio de custos para as pessoas de controlo dos casos mais graves ultrapassa os 2 mil euros, o que é incomportável para a maior parte das pessoas e famílias e faz com que haja menor adesão à terapêutica, enorme carga física, psicológica e emocional para a pessoa, e sobrecarga também do SNS”, alerta à VISÃO Joana Camilo, Presidente da Associação Dermatite Atópica Portugal(ADERMAP). A maior parte destes custos resulta das consultas e exames de diagnóstico regulares, aquisição de medicamentos e de produtos de higiene e hidratação apropriados, necessários para o controlo da dermatite atópica, que são taxados a IVA a 23%.
Psicologicamente, os custos são ainda maiores. Nuno Giesta, que foi tendo ajuda psicológica e psiquiátrica ao longo do tempo, não pode viver como a generalidade dos jovens ao seu redor vive. “Não suporta o traje académico no corpo, tem de ser tudo à base de algodão, não pode beber bebidas alcoólicas nem comer certos alimentos, não pode fazer desporto e, como não dorme, durante o dia anda muito cansado e o seu rendimento é muito mais baixo”, conta Maria João, acrescentando que, muitas vezes, como as pessoas não entendem a dimensão desta doença, criticam certos comportamentos.
O primeiro estudo sobre o impacto da dermatite atópica em Portugal, realizado pela NOVA IMS, pela Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venerologia (SPDV) e pela ADERMAP, que incluiu mais de 200 voluntários, concluiu que os doentes com doença moderada a grave perdem de três a nove dias de trabalho por ano, ou seja um perda média de produtividade de 24%.
“A doença provoca-nos bastantes limitações e é duro viver com ela, às vezes deixo de fazer alguma coisa por causa disto, mas tenho a sorte de conseguir realizar a minha atividade profissional sem muitas limitações”, afirma, por seu lado, Paula Encinas. O futebol, por si só, é agressivo para quem tem dermatite atópica, tanto pela exposição ao sol como pelo suor e, por isso, a atleta tem de ter muitos cuidados antes e depois dos treinos. “Quando estou de férias ou quando não treino ao ar livre, sinto que a minha pele melhora imenso, por isso sei que o futebol agrava os eczemas. Contudo, a doença não afeta o seu desempenho em campo”, garante.
“Quando era adolescente e tentava ser como o resto do grupo, ser fixe e ter uma boa aparência, ficava mais em baixo mentalmente porque pensava mais no que as outras pessoas pensavam de mim”, diz a atleta, acrescentando que a adolescência foi a fase mais difícil para ela. “Conforme vais crescendo, percebes que o mais importante é estares confortável com o teu próprio corpo e hoje em dia não tenho qualquer problema em mostrar um eczema. À medida que me tornei mais adulta e as pessoas à minha volta também, começámos a olhar menos para fora e mais para dentro”, acrescenta.
A adolescência e o início da vida universitária também foram períodos complicados para Nuno Giesta. “Tinha os olhos inchados e quase não os abria, o corpo todo em ferida e as pessoas afastam-se porque têm medo que seja contagiosa”, conta Maria João, acrescentando que existe “um desconhecimento total da doença”.
Paula Encinas diz ser importante começar a falar-se mais sobre a dermatite atópica e as suas consequências físicas e emocionais, porque ainda existe muito estigma associado a ela, “Se falarmos mais sobre a doença, estamos a ajudar as duas partes – quem sofre da doença e quem está à sua volta – a lidarem com ela, porque se alguém olha para ti e sabe o que tens vai perceber-te melhor, tentar ajudar-te e vai entender que às vezes é difícil lidar com isto, que não te sentes confortável com o teu corpo”, acrescenta a atleta.
Há quem possa ajudar
“Durante 10 anos, tive poucos dias sem lesões activas e extensas de dermatite atópica, senti-me um vulcão em erupção e grande parte do meu corpo esteve coberto por lesões dificeis de controlar e suportar”, conta Joana Camilo. “Durante este tempo,não soube o que era dormir a noite inteira sem acordar a cada duas horas devido à comichão, ardor e incómodo permanentes”, acrescenta.
Quando filho de Joana Camilo começou, com sete anos, a ter as primeiras lesões de dermatite atópica, precisamente com a mesma idade com que foi diagnosticada, ficou preocupada com a potencial evolução e não queria, de forma alguma, que a criança passasse pelo mesmo. “Senti a necessidade de ajudar no que estivesse ao meu alcance para que nenhuma criança, jovem ou adulto tivesse de passar pelo mesmo sofrimento”, esclare. Até à data, não existia nenhuma associação dedicada a esta doença, que pode ser muito limitativa.
Estima-se que, em Portugal, a prevalência de doentes adultos com dermatite atópica se situe entre os 4,4%-7%. No País, a doença representa um custo anual de 1018 milhões de euros, sendo que 80% destes custos são suportados pelas pessoas/famílias.
“A ADERMAP, associação sem fins lucrativos, foi criada para ajudar a defender os direitos e dar voz às preocupações, necessidades e impactos no dia-a-dia desta doença em Portugal. Apesar de ser uma doença multifatorial complexa, cujos mecanismos de doença estão ainda por elucidar é muitas vezes limitada na sociedade a uma “simples doença de pele”, alerta Joana Camilo. “Numa era em que as redes sociais reforçam padrões de beleza irreais, viver com uma doença que pode afetar muito a aparência pode ser tremendamente desafiante e provocar o autoisolamento social, por não nos vermos nem nos sentirmos bem”, acrescenta.
Saiba mais sobre a ADERMAP: https://www.adermap.pt