Em Portugal, menos de meio milhão de pessoas foram imunizadas contra a Covid-19 com a vacina Janssen, recomendada para maiores de idade do sexo masculino e para mulheres com 50 ou mais anos.
Na semana passada, um estudo desenvolvido pela faculdade de Medicina da Universidade de Nova Iorque, nos EUA, apresentou resultados indicativos de que a vacina de toma única da farmacêutica Johnson & Johnson (J&J) é menos eficaz perante a variante Delta.
Por isso, os autores da investigação, ainda sem revisão de pares, sugerem a administração de uma segunda dose a quem foi inoculado com a Janssen (desenvolvida a partir de um adenovírus), que até pode ser de uma das vacinas com a biotecnologia mRNA (Pfizer/BioNTech e Moderna), já que vários estudos evidenciam que a mistura de fármacos provoca uma resposta imunitária mais robusta.
“A mensagem que queremos passar não é a de que as pessoas não devem tomar a Janssen, mas esperamos que no futuro elas recebam uma dose de reforço, seja com outra vacina igual ou com a da Pfizer, ou da Moderna”, disse o virologista Nathaniel Landau, que liderou o estudo, ao jornal The New York Times.
A equipa de investigadores analisou amostras sanguíneas de 17 pessoas imunizadas com vacinas de mRNA e de outras dez inoculadas com a Janssen. Os resultados foram similares aos de outros estudos que incluíram a vacina da AstraZeneca, igualmente desenvolvida a partir de um adenovírus, que demonstrou ter uma eficácia de 33% contra a doença sintomática provocada pela variante Delta, depois da primeira toma – só após a segunda a proteção atinge os 60%.
Uma coisa é testar a capacidade neutralizante dos anticorpos das pessoas vacinadas in vitro, outra é a ação de todo o sistema imunitário – que inclui as células T – e que não é replicada em laboratório
Miguel prudêncio, investigador do instituto de medicina molecular
No entanto, o investigador Miguel Prudêncio recomenda cautela, dado que estes resultados laboratoriais não refletem o comportamento da vacina no mundo real, ou seja, a imunidade verdadeiramente conferida aos vacinados.
“Uma coisa é testar a capacidade neutralizante dos anticorpos das pessoas vacinadas in vitro, outra é a ação de todo o sistema imunitário – que inclui as células T – e que não é replicada em laboratório”, explica o parasitologista do Instituto de Medicina Molecular (iMM) da Universidade de Lisboa, que está a desenvolver uma vacina contra a malária.
O estudo agora divulgado “só mede um parâmetro – importante, é certo – mas que não é o único barómetro de proteção” contra a doença. Assim, Miguel Prudêncio considera “prematuro afirmar que a vacina Janssen protege significativamente menos da variante Delta”.
Em janeiro, antes de a variante inicialmente identificada na Índia se impor, estimava-se que o fármaco da J&J fosse capaz de prevenir 85% dos casos de doença grave.
Vem aí a segunda dose?
A investigação da Universidade de Nova Iorque contraria alguns estudos publicados por equipas de cientistas com ligações à J&J, que apontavam para uma elevada resposta imunológica contra a variante Delta, até oito meses após a inoculação.
Ao contrário do que acontece com as vacinas da Pfizer/BioNtech e da Moderna, visto a Janssen ter sido aprovada mais tarde pelas entidades reguladoras, ainda não existem estudos sobre o seu comportamento no mundo real perante a atual variante dominante, substancialmente mais transmissível do que o vírus original.
“A Janssen é a única vacina de uma toma e há muito que se põe a possibilidade de uma dose de reforço. Do ponto de vista estritamente teórico, podemos prever que seja benéfica uma segunda dose, que possa tornar a resposta imunitária mais robusta, mas precisamos de dados reais para confirmarmos isso”, enfatiza Miguel Prudêncio.
Os autores do estudo nova-iorquino procuraram pressionar a Food and Drug Administration, a agência do medicamento norte-americana, a aprovar uma segunda dose da vacina mas, por enquanto, mantém-se a norma de uma única inoculação.
Já a Islândia, por exemplo, está a ponderar administrar uma segunda dose de outro fármaco às pessoas imunizadas com a Janssen no final de agosto.
Faz todo o sentido ter a hipótese de reforçar a vacinação em mente, mas não é uma prioridade avançar já, embora possa vir a ser necessário num futuro próximo
Miguel prudêncio, investigador do Instituto de medicina molecular
À VISÃO, o Infarmed reiterou que “a informação disponível não permite concluir sobre a necessidade, e momento, de realização de reforço vacinal”. E sublinhou que a Direção-Geral da Saúde (DGS) está a acompanhar a evolução da investigação científica sobre o tema.
O Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC) e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) apresentaram, este mês, uma declaração conjunta sobre o tema. Apesar de considerarem que “ainda é demasiado cedo para confirmar ‘se’ e ‘quando’ será necessário uma dose de reforço das vacinas”, até porque ainda não é conhecida a durabilidade da imunidade conferida pela inoculação, garantem estar a colaborar no sentido de agilizarem a análise da evidência que vai surgindo sobre o tema. O objetivo é que as doses de reforço “possam ser aprovadas o mais rapidamente possível, se se comprovar que são necessárias”.
O Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas (NIAID), uma agência do departamento de saúde norte-americano, está a realizar um ensaio clínico para determinar se será essencial reforçar a imunização garantida pela Janssen com uma dose da Moderna e prevê anunciar as suas conclusões até setembro.
Miguel Prudêncio concorda que “faz todo o sentido ter a hipótese de reforçar a vacinação em mente, mas não é uma prioridade avançar já, embora possa vir a ser necessário num futuro próximo”, admite.
No início do mês, foi anunciado que Portugal iria receber vacinas Janssen vindas da Noruega – que decidiu não as incluir no seu plano de vacinação – para colmatar falhas no abastecimento de imunizantes, comprometendo-se a enviar fármacos da Pfizer/BioNTech depois de repor os stocks.
A VISÃO perguntou ao ministério da Saúde quantas vacinas serão trocadas entre os dois países, mas não obteve resposta. As incertezas em relação à eficácia da Janssen podem levar a questionar se esta será uma permuta justa.