A descoberta apresentada pelo virologista americano Jesse Bloom, do Centro de Investigação Oncológica Fred Hutchinson, de Seattle, na última terça-feira, no bioRxiv, revelou que as sequências genéticas de mais de 200 amostras de vírus dos primeiros casos de Covid-19, em Wuhan, desapareceram do banco online de dados científicos, dos Institutos Nacionais de Saúde americanos.
Bloom recuperou 13 das sequências originais do SARS-CoV-2, que podem ajudar a perceber como e quando o vírus passou de um morcego (ou outro animal) para os humanos. Por ser um tema tão delicado, o investigador quis assinar o artigo sozinho e, apesar de o bioRxiv ser um site que partilha estudos ainda não revistos pelos pares, mostrou-o previamente a outros cientistas e aos Institutos Nacionais de Saúde (NIH na sigla inglesa).
“Não é um estudo científico altamente tradicional, mas, pelo menos, possui alguns dados e informações novas”, disse Bloom em entrevista ao The Washington Post. À CNN, o cientista defendeu que a sua investigação permite concluir que as amostras usadas para investigar as origens da pandemia Covid-19 podem não estar completas, porque alguns dos primeiros casos em Wuhan são diferentes, geneticamente, das variantes analisadas no mercado apontado como possível epicentro da pandemia.
“Parece provável que as sequências tenham sido excluídas para ocultar a sua existência”, escreve Jesse Bloom no artigo.
A descoberta ocorreu enquanto o cientista pesquisava os dados existentes sobre a origem do vírus e se deparou com um estudo de março de 2020 (publicado na revista Small, em junho), que mencionava informações sobre 241 sequências genéticas recolhidas por cientistas da Universidade de Wuhan, mas que não estavam presente em nenhuma base de dados. “Obviamente, não posso descartar que as sequências estejam noutra base de dados ou na internet, mas não consegui encontrá-las em nenhum dos locais que procurei”, disse, ao The New York Times.
A última opção, que se verificou frutífera, foi pesquisar na Cloud do Google onde geralmente os arquivos também são guardados. Com os dados obtidos, Bloom combinou as 13 sequências com outras sequências publicadas dos primeiros coronavírus, na esperança de fazer progressos na construção da árvore genealógica do SARS-CoV-2. Assim, concluiu que quando este coronavírus chegou ao mercado já circulava há algum tempo em Wuhan ou até mais longe. Os vírus do mercado, argumentou, não são representativos da diversidade total de coronavírus já existentes no final de 2019.
O NIH confirmou na última quarta-feira, através de um comunicado, que as sequências tinham sido apagadas da base de dados em junho de 2020, no seguimento do pedido do cientista responsável pelos dados, de forma a que pudessem ser inseridos numa outra base de dados. Esta prática é permitida pelo Instituto quando solicitada.
“O cientista indicou que as informações da sequência foram atualizadas, que estavam a ser enviadas para outra base de dados e queria que fossem removidos para evitar problemas de controlo de versão”, revelou o NIH.
Na comunidade científica, a descoberta gerou reações imediatas, sobretudo entre cientistas que debatem a origem do surto do coronavírus.
O virologista Robert F. Garry, da Universidade de Tulane, que defende que o vírus surgiu de forma natural e não projetada, discorda das conclusões de Bloom: “Jesse Bloom não encontrou exatamente nada de novo que ainda não faça parte da literatura científica.”
Já a microbiologista da Universidade de Stanford, David A. Relman, que colaborou com Bloom e outros cientistas numa carta publicada na Science, em que criticam a investigação da Organização Mundial de Saúde sobre as origens do vírus, acredita que a nova descoberta “mostra o quão crítico é preservar e partilhar os primeiros dados, na tentativa de inferir as origens e caminhos evolutivos dos vírus, uma vez que os primeiros dados são sempre escassos e uma vez que as análises são, portanto, tão sensíveis a dados específicos que por acaso estejam disponíveis.”
Os dados recuperados reforçam, entre outras, uma conclusão da investigação convocada pela OMS, de que o vírus provavelmente já tinha infetado outras pessoas antes do surto no mercado. Um relatório apresentado pela OMS, em março, defende que provavelmente o vírus teve origem num animal e que foi transmitido para os humanos, tal como já aconteceu com outros coronavírus e pouco provavelmente foi um vírus criado em laboratório.