Não terão sido raras as vezes que, falando com amigos e familiares sobre os últimos meses de confinamento, a conversa tenha acabado por desembocar no modo como muitos se sentem cansados, desmotivados e até perdidos. Talvez alguns tenham mais dificuldade em concentrar-se no trabalho, enquanto outros, apesar da chegada das vacinas, não depositam grandes esperanças no ano que começou há quatro meses ou sintam que longe vão os dias em que a novidade trazida pelo teletrabalho parecia até estimulante.
O mesmo tem vindo a ser observado por alguns psicólogos na prática clínica. O psicólogo clínico e psicoterapeuta cognitivo-comportamental Ricardo João Teixeira recorda como, no início da pandemia, há mais de um ano, a maioria dos casos que lhe passava pelas mãos era pautada pelo medo, angústia, tensão e apreensão, algo que mudou radicalmente nos últimos meses.
“Com o segundo confinamento, chegou uma nova forma de esgotamento. As pessoas já estão tão cansadas de lutar para se adaptar às circunstâncias que ficam nesta lassidão, com menos vontade de trabalhar, de estar com outras pessoas ou de terem cuidado com a alimentação”.
Já a psiquiatra e especialista em gestão do stress Maria Antónia Frasquilho refere que, mais do que na prática clínica, “observa-se isso no quotidiano. Perguntamos às pessoas como vão as coisas e tantas vezes respondem que vão como podem ir, dado o tempo que vivemos”.
Soa familiar? Mas o que se passará connosco? Apesar de um certo torpor, ainda temos energia e não nos sentimos propriamente desesperados, o que exclui o burnout e a depressão. Ainda assim, parece existir uma certa falta de alegria e objetivos. Acontece que há um nome para isso: languishing e, segundo o psicólogo, orador, autor e professor catedrático norte-americano Adam Grant , esta pode ser a emoção dominante de 2021.
Mas, afinal, o que é o languishing?
Languishing, definhamento na tradução literal, é, segundo Corey Keyes, o sociólogo que cunhou o termo, um vazio entre a depressão e o bem estar. “É uma sensação de cinzento, de embaciamento mental que cria muito uma sensação de desesperança”, explica Ricardo João Teixeira.
Segundo o psicólogo, há também uma certa inexplicabilidade, uma incapacidade de perceber porque sentimos este vazio. “Está muito associado à incerteza e tem a ver com a perceção e deteção de ameaça, por parte do nosso cérebro”, acrescenta, sublinhando que, ao contrário do numb, um estado de melancolia, o languishing trata-se de um definhamento preocupado e ansioso.
“Estamos a passar um momento difícil, cheio de contrariedades”, afirma Maria Antónia Frasquilho que considera este estado de “embaciamento” algo desagradável, mas, simultaneamente, uma resposta natural ao contexto em que nos encontramos. “A pessoa não tem de modo nenhum a vida que queria ter, está restrita àquilo que é possível e, no princípio, sofre muito, mas, a certa altura, há uma espécie de adaptação, uma aceitação contrariada”.
Este “entorpecimento da motivação”, como o apelida Ricardo João Teixeira, não é novo. Foi em 2002 que Corey Keys publicou , no Journal of Health and Social Behavior, o estudo que, além de cunhar o termo languishing, constatou que 12,1% de um grupo de adultos, com idades compreendidas entre os 25 e os 74 anos, preenchia os critérios para se encontrar neste estado.
A investigação revelou ainda que as pessoas com maior probabilidade de sofrer de depressão grave ou serem diagnosticadas com um transtorno de ansiedade, na próxima década, não são as que apresentam já sintomas desses problemas, mas as que sofrem atualmente de languishing.
Segundo o mesmo estudo, este estado consome a motivação e interfere com a capacidade de concentração, tornando três vezes mais provável que as pessoas que dele sofrem se desleixem no trabalho, em comparação com adultos moderadamente saudáveis.
Sinais de alerta
Apesar de esta condição não ser uma depressão, Ricardo João Teixeira alerta para o facto de o languishing poder ser um fenómeno que conduz a alguma depressividade. “As pessoas não estão deprimidas clinicamente, mas também não estão felizes”. Por esta mesma razão, Maria Antónia Frasquilho defende ser importante ter atenção ao estado pessoal. “Quando nos sentimos “nim” e parece que tudo é uma chatice, mas, pensamos: ‘o que é que se há de fazer? É a vida’”.
Estar sempre insatisfeito, olhar ao espelho e não gostar do que vê, sem que isso lhe dê motivação para cuidar de si, ou ter a sensação de ser arrastar pelos dias podem ser sinais de um estado de languishing.
Como combater?
Quanto à forma de evitar que o torpor cinzento se apodere do dia-a-dia, Ricardo João Teixeira aconselha apostar no auto-cuidado, sair de casa para aproveitar os dias de sol, dormir bem, alimentar-se de forma saudável, beber água e, dentro do possível, procurar suporte social e emocional junto da família e dos amigos.
Maria Antónia Frasquilho considera essencial não dramatizar e perceber que, além de ser uma reação compreensível, existem muitas outras pessoas a passar por este “pseudo-adormecimento”. O segredo, segundo a psicóloga, é agarrar-se aos pequenos prazeres.
Pintar, ver séries, remodelar a casa, descobrir a culinária ou a jardinagem, fazer um bordado que pensava fazer há muito tempo ou ler aquele livro especial que estava guardado para uma ocasião em que houvesse tempo, são algumas das sugestões. “Trata-se de tentar fazer com prazer coisas que parecem até corriqueiras, agarrar-se a pequenos confortos e valorizar o que há de bom”.