Foi lançada no fim de fevereiro e já tem milhares de utilizadores registados, entre médicos, enfermeiros, estudantes de medicina ou enfermagem e profissionais da indústria farmacêutica. A ferramenta lançada pela UpHill, disponível através de uma aplicação ou no site da empresa, pretende auxiliar, de forma totalmente gratuita, os profissionais na tomada de decisão clínica em pessoas que testaram positivo para o coronavírus e que mantêm sintomas por mais de quatro semanas.
Ao longo dos últimos meses, profissionais de saúde têm registado casos destes em todo o mundo, principalmente quando a Covid-19 se manifestou de forma aguda. Além de exaustão permanente, os médicos detetam outros sintomas persistentes, como tosse, dispneia, dor torácia e disfunção ventricular, além de problemas ao nível da saúde mental. “Isto não foi totalmente inesperado, porque outros vírus manifestam-se a longo prazo após a fase aguda da doença, portanto a comunidade científica estava, de certa forma, à espera que isto acontecesse”, explica à VISÃO David Rodrigues, médico e especialista em análise e revisão de evidência científica, e responsável pelos conteúdos médicos da UpHill. “O problema é que o número de doentes foi tão grande que isto tornou-se uma questão de saúde pública”, afirma.
Nos EUA, começaram a chamar-lhe sequelas pós-agudas de SARS-CoV-2; já os britânicos optaram por denominá-la síndrome pós-Covid-19 – quando os sintomas se prolongam além das 12 semanas -, mas tem sido frequentemente designada por Covid prolongada ou Covid-19 longa.
Várias investigações têm sido desenvolvidas desde então. Em junho do ano passado, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS) revelou que “45% dos infetados com Covid-19 precisam de assistência a longo prazo”. Já um estudo realizado pelo National Institute for Health Research do Reino Unido e publicado em outubro concluiu que, para milhares de pessoas, a Covid-19 pode ser uma doença de longa duração e não uma infeção com uma duração de poucas semanas.
Também uma equipa de médicos de Itália percebeu que 87% dos doentes com Covid-19 que tinham estado hospitalizados num hospital em Roma continuavam com sintomas 60 dias depois de terem alta médica. Os sintomas incluíam fatiga, dificuldade em respirar, dores no peito, por exemplo.
“As guidelines são documentos de centenas de páginas, maçadores, que não são rápidos de consultar e, por isso, transformámo-las numa coisa muito mais interativa e aplicável”
Apesar de se verificar um aumento de casos deste tipo, a forma como os profissionais de saúde devem agir perante estas situações não é, ainda, muito clara, porque se trata de uma realidade completamente nova. Foi precisamente por isso que surgiu este algoritmo da UpHill. “Ao longo de 2020, a empresa acompanhou de muito perto toda a evidência relacionada com a Covid-19 e fomos criando vários algoritmos, tal como este, de apoio à decisão de quem está no terreno, médicos e enfermeiros”, explica David Rodrigues.
Inicialmente, a empresa dedicou-se à evidência científica relacionada com a doença aguda mas, à medida que foram surgindo novos estudos, a equipa decidiu, no final do ano, fazer uma investigação sobre o que existia já de guidelines em relação à Covid prolongada. “Encontrámos dois documentos ingleses bastante sólidos em termos de metodologia, sendo que um deles dedicou uma guideline precisamente à síndrome pós-Cóvid, e o que fizemos foi recriar, juntamente com outros médicos, a sequência de decisões que acontecem no terreno, a jornada do doente, fundamentando-as com as guidelines que encontrámos” esclarece o especialista.
Este trabalho foi colocado, depois, numa plataforma mais prática, acessível e intuitiva para os profissionais de saúde do que as próprias guidelines. “As guidelines são documentos de centenas de páginas, maçadores, que não são rápidos de consultar e, por isso, transformámo-las numa coisa muito mais interativa e aplicável”, diz David Rodrigues.
Na aplicação, a que todos podem aceder sem qualquer custo – basta apenas fazer-se um registo que inclui a identificação do número da Ordem -, num telemóvel, tablet, ou computador, os médicos esclarecem inicialmente se se trata de uma situação de Covid prolongada ou se ainda se está na fase aguda da doença. “Ao mesmo tempo, vamos dando informação sobre os conceitos que estamos a usar e se não se tratar de doença aguda, ou seja, se os sintomas do doente persistirem após quatro semanas, damos orientações aos profissionais de saúde sobre o diagnóstico, recomendações aos doentes e exames que devem realizar”, explica.
O diagnóstico fornecido é quase sempre de exclusão, isto é, se houver à partida outra doença que explique melhor os sintomas apresentados pelo doente, assume-se que se trata dessa doença e não de síndrome pós-Covid.
“Isto é uma entidade só por si em termos médicos e isso é inegável. E os números de casos são bem reveladores”
“Sendo esta uma doença muito nova, vemos isto com muito cuidado”, explica o médico. E isso reflete-se nos números de utilização dos algoritmos da empresa. De acordo com dados revelados à VISÃO, os algoritmos desenvolvidos relativos à Covid-19, que começaram a ser realizados há um ano, tanto relacionados com doença aguda como com Covid prolongada e vacinação, estão no top dos mais utilizados, com perto de 120 mil utilizadores registados. Todas as semanas, os recursos da UpHill são utilizados por mais de 3 mil profissionais.
“A síndrome pós-Covid está reconhecida como tal, o que não é consensual é a designação, mas isto é uma entidade só por si em termos médicos e isso é inegável. E os números de casos são bem reveladores”, afirma David Rodrigues. De acordo com um estudo publicado na Nature no fim do mês passado, oito em cada dez doentes que tinham tido um quadro severo de Covid-19 ainda apresentavam algum sintoma em junho, sendo que os casos tinham sido detetados em fevereiro. “Hoje sabemos que há sintomas que estão descritos até aos seis meses, com múltiplos órgãos afetados no corpo, desde os pulmões ao cérebro”, acrecenta.