Chama-se Patrick Soon-Shiong, é um multimilionário da biotecnologia e uma figura algo excêntrica: é um dos proprietários da equipa de basquetebol LA Lakers e também dos jornais Los Angeles Times e San Diego Tribune. Nos últimos anos, a sua fortuna multiplicou-se desde que a sua ImmunityBio desenvolveu o Abraxane, um medicamento que se tornou um sucesso, dada o aumento exponencial da taxa de sobrevivência em pacientes com cancro do pâncreas, uma das formas mais mortíferas da doença. Vendeu e comprou uma série de empresas, tendo ficado “apenas” com a NantWorks, uma rede de start-ups da área da saúde.
Em maio do ano passado, a ImmunityBio foi então selecionada pela “Wrap speed”, uma iniciativa do governo americano para ajudar a desenvolver rapidamente uma vacina contra a Covid-19. Com isso em vista, a equipa de Soon-Shiong apressou-se a divulgar os seus os primeiros resultados na BioRxiv, uma plataforma de pré-publicação de artigos que aguardam a validação pelos pares, comprometendo-se a desenvolver antes uma vacina oral, em forma de comprimido, capaz de oferecer proteção contra o coronavírus sem necessidade de uma injeção. A sua expetativa agora é que possa estar disponível até ao final do ano.
“Ter uma vacina em comprimido que possa estar à temperatura ambiente é toda uma mudança de paradigma do que temos até agora”, considerou já Tara Seery, uma médica oncologista que trabalha no projeto, a propósito dos testes que já decorrem em voluntários tanto em Los Angeles, nos Estados Unidos, como na África do Sul, enquanto guardam ainda autorização no Reino Unido. Graeme Meintjes, professor de medicina na Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, e co-responsável dos ensaios no país, apontou ainda outra mais valia: “A possibilidade de ter cápsulas orais poderá facilitar e muito o reforço das doses de vacinas que possam vir a ser necessárias.”
Para já, os ensaios estão a ser feitos em adultos saudáveis, com idades inferiores a 55 anos, excluindo mulheres grávidas e quem já tenha estado infetado com Covid-19. Mas, como os cientistas ainda não sabem se os comprimidos sozinhos podem impedir a transmissão, os investigadores estão a testar quatro abordagens diferentes. Assim, alguns recebem a mesma vacina de forma injetável, outros não. Outros ainda recebem a injeção e duas rodadas de comprimidos.
Mas o desenvolvimento da vacina numa cápsula não é o único aspeto que a diferencia de outras. Enquanto as outras ajudam a criar anticorpos para a proteína da espícula na superfície do coronavírus, esta vacina proposta pela ImmunityBio, e que conta com tecnologia desenvolvida no Reino Unido, tem como alvo o seu círculo interior, que uma parte daqueles cientistas acredita ser menos propensa à mutação.
“O valor disso é que geramos células T assassinas”, justificou o seu fundador Patrick Soon-Shiong, a propósito do comportamento gerado naquelas células que têm um papel central na resposta imunitária do nosso organismo a outros agentes patogénicos, mais propriamente tipos específicos de glóbulos brancos que se ligam a vírus e os matam. E isso, defende Soon-Shiong, é o que poderá criar proteção a longo prazo, se o seu “comprimido” gerar tantas células daquelas como anticorpos.
“Sabemos, através de dados da SARS de 2003, que pessoas então infetadas têm células T que duraram 17 anos”, recorda ainda aquele especialista, antes de explicar: “Ao administrarmos uma vacina, esperamos desenvolver células T em todo o organismo; Ao administrá-la oralmente, protegemos as membranas mucosas e o intestino, e, temos esperança, também o nariz e a a boca, que é por onde o coronavírus entra. Não entra pelo sangue.”
Além disso, alega ainda Soon-Shiong, como “está sempre em mutação, é da maior importância continuar a procurar outras soluções”. Neste caso, uma solução que será “mais rápida, mais barata e mais fácil de administrar” porque não teria de ser armazenada em frigoríficos a temperaturas baixíssimas.
…E as outras
Não é, sublinhe-se, a única biotecnológica a apostar no mercado das vacinas em comprimido. Uma outra empresa da Califórnia, a Vaxart, também já ultrapassou com sucesso a primeira fase de testes em humanos. Segundo os resultados anunciados pela empresa, a chamada VXA – CoV2-1 apresentou boa tolerância e imunogenicidade – ou seja foi capaz de desenvolver anticorpos em quem a tomou – após duas doses. E nos perto de 500 voluntários que já receberam esta vacina por via oral, nenhum efeito adverso grave foi relatado, apenas efeitos colaterais leves, principalmente de natureza gastrointestinal.
É uma vacina que tem igualmente como objetivo desencadear uma imunização com recurso às células T, e não apenas por anticorpos, como são em regra as vacinas de primeira geração. Segundo o diretor científico da Vaxart, o médico Sean Tucker, é também expectável que seja mais eficaz contra novas variantes do coronavírus.
Prestes a iniciar a segunda fase dos ensaios, o objetivo agora será avaliar a dosagem ideal, e depois a taxa de eficácia em voluntários – mas também determinar a capacidade de ser um potencial reforço de imunidade para quem esteve infetado ou foi vacinado anteriormente.
Atrás, segue a australiana Symvivo, que iniciou no final do ano passado os estudos de fase 1 com 24 voluntários, para comprovar a segurança e a imunogenicidade da sua vacina. Neste caso, os investigadores desenvolveram uma vacina que usa bactérias probióticas modificadas com material genético do coronavírus – ou seja, uma vez administrada, a vacina leva pedaços importantes do vírus, que não se reproduzem nem causam doença, até ao trato gastrointestinal. Aí, as bactérias ligam-se às células epiteliais do intestino, multiplicam-se e entregam o ADA que vai codificar a proteína spike do SARS-CoV-2, para que o nosso corpo desenvolva os anticorpos necessários.
Na corrida está ainda a Oravax, que aguarda ainda o início dos ensaios clínicos. Está a ser desenvolvida por uma nova empresa conjunta da israelita-americana Oramed e da indiana Premas Biotech, conta a Business Insider. Segundo disse Nadav Kidron, CEO da Oramed, trava-se de uma vacina que visa três proteínas estruturais do novo coronavírus, procurando igualmente ser assim mais resistente às variantes.
Mas não só: feita à base de levedura, será igualmente mais barata de fabricar – e o estudo piloto em animais provou ser promissor. Só ainda não se sabe quando poderá haver ensaios clínicos em humanos: a mais recente previsão aponta para o segundo trimestre de 2021.