Os exemplos são mais que muitos e as decisões também: um caso de Covid-19 tanto pode enviar uma turma para casa como só alguns alunos; vários resultados positivos tanto podem determinar o encerramento de uma escola ou só de um ou outro ciclo de ensino. A decisão cabe ao delegado de saúde da área geográfica da escola e resulta da avaliação de vários fatores.
Uma questão que voltou à ordem do dia, no início desta semana, perante o anúncio de um surto de Covid-19 num colégio em Sintra. A não compreensão das diretivas das autoridades de saúde, que a direção do Colégio Cosme e Damião assegura ter cumprido na íntegra, levou os pais a manifestarem publicamente a sua indignação com a gestão dos casos que foram surgindo – e que não lhes foram comunicados, segundo a mesma diretora, Cidália Carvalho, por indicação da delegada de saúde da área, Noémia Gonçalves, com a justificação de que “o resto da frequência escolar deve decorrer com a maior normalidade”. Já os pais insistem que “se trata de crianças muito pequenas” e que o facto de não terem sido informados logo quando foi decretado o encerramento de uma das salas os deixou “muitos revoltados” com todo o processo.
“É de facto uma decisão multifatorial e que não responde a uma matriz matemática”, assume desde logo Ricardo Mexia, o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, reconhecendo que um mesmo número de casos pode levar as autoridades de saúde a diferentes conclusões, consoante o contexto da escola e da comunidade. “É uma apreciação do risco que leva em conta a velocidade de disseminação, mas também a componente social – ou seja, é preciso avaliar quais os impactos que um eventual encerramento pode ter na comunidade”, adianta, sempre insistindo que “essa não é uma decisão de primeira linha”. Ou, como se sublinha no manual divulgado pela Direção Geral da Saúde logo no início do ano letivo, “o encerramento de todo o estabelecimento de educação ou ensino só deve ser ponderado em situações de elevado risco no estabelecimento ou na comunidade.” Outro exemplo: “Se tivermos por exemplo um surto de meningite”, remata Mexia, “pode ser mais fácil manter o controlo sobre a doença se os alunos se mantiverem na escola do que se enviar cada um para a sua casa”.
Vários saberes em jogo
Mais de um ano depois do início da pandemia, e do primeiro momento em que se decidiu o encerramento geral das escolas, o tema tem sido alvo dos mais variados estudos – ainda muito recentemente, um grupo de peritos da Nova SBE divulgou um relatório com dados muito concretos sobre as enormes perdas na aprendizagem de muitos dos alunos que se viram obrigados a acompanhar as aulas online. E outro sobre o que será preciso fazer de forma a não deixar ninguém para trás.
“Os danos do fecho das escolas sobre a saúde mental dos miúdos são enormes”, concorda ainda Henrique Lopes, da Associação de Escolas de Saúde Pública da Região Europeia (ASPHER), lembrando que essa é também a avaliação feita tanto pela Organização Mundial da Saúde como pela UNESCO, a agência das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.
“E não se trata só da aprendizagem: a escola é responsável por vários outros saberes, como o saber estar, saber ser e saber conviver. As pessoas preocupam-se muito com o que as crianças e jovens aprendem a nível escolar, mas esquecem que há uma série de outras aprendizagens igualmente importantes que se fazem na escola”.
A grande questão, sublinha ainda Henrique Lopes, é que a escola é hoje “a grande máquina da redução da vulnerabilidade social” e os seus efeitos conheceram ainda outra evolução dramática no último ano. Como quem diz, começam a ganhar relevância os números de crianças e jovens a chegar às urgências de pedopsiquiatria – tanto em Portugal, como já relataram vários médicos, dando conta de um aumento de 50 por cento de jovens com sintomas de ansiedade a serem vistos no Hospital D. Estefânia, em Lisboa, como em outros países. “No Reino Unido”, destaca, “esse aumento nas urgências de pedopsiquiatria está estimado nos 70 por cento”.
Cada caso é (mesmo) um caso
É por tudo isto que as decisões dos delegados de saúde acabam por diferir, mesmo que, à primeira vista, os casos pareçam ter mais semelhanças do que diferenças, já que, em linha de conta, pode ainda entrar o grau de risco na freguesia e no concelho e o número de alunos não podem mesmo deixar a escola (como é o caso dos filhos dos profissionais na linha da frente ou as crianças com necessidades educativas especiais).
Mas não só, como acrescenta Gustavo Tato Borges, o vice-presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública. Por exemplo, no caso de uma turma do pré-escolar ou 1º ciclo, como são meninos muito pequenos e não usam máscara, um caso positivo implica sempre ir toda a turma para casa, além da auxiliar e educadora. “Se forem mais crescidos, já é diferente porque é preciso avaliar a disposição da turma em sala e as interações entre quem está contagiado e os colegas mais próximos”, recorda aquele responsável, lembrando que estas são igualmente indicações da Direção Geral da Saúde. “Por isso, é que também tem sido recomendado aos professores que a planta da turma seja o mais estável possível, de forma a poder identificar os casos de alto risco e a separá-los dos outros”.
Como quem diz, tanto pode ir para casa o aluno com teste positivo e os seus colegas mais próximos como a turma toda – no caso, suponhamos, de ter havido uma aula de educação física sem máscara que tenha implicado uma redução no distanciamento. Ou, segue ainda aquele médico, se as condições físicas da sala levantarem alguma preocupação: “se os alunos tiverem aulas numa sala pequena, sem o arejamento adequado, isso também pode ser um critério para colocar a turma toda em isolamento”.
Ainda assim, depois desta a avaliação, a escola também pode fazer a sua apreciação e determinar que será mais fácil manter o acompanhamento daqueles alunos se forem todos para casa – sendo que aí a situação pode ter complicações de outra ordem, porque os que não forem enviados para casa pelas autoridades de saúde e precisarem do apoio presencial de um adulto, este, recorda ainda Tato Borges, não é abrangido por qualquer apoio financeiro.