- Quais os cancros que estão a aumentar mais?
De acordo com dados do Globocan (IARC), o número estimado de novos casos de cancro em Portugal, excluindo os cancros de pele não melanomas, foi de 36835 em 2000, 43284 em 2008, 58199 em 2018 e 60467 em 2020 o que demonstra o aumento claro da incidência do cancro do nosso país. Em Portugal os cancros com maior incidência mantém-se o cancro da mama, cancro próstata, cancro colo-retal e cancro do pulmão, com variações por género. São números que vão ao encontro aos dados de incidência mundial em países desenvolvidos reportados pela Organização Mundial de Saúde. É importante fazer ainda referência a um tipo de cancro que, apesar de ainda não ser dos que tem mais incidência, tem um crescente registo de casos: o cancro da pele, nomeadamente os cancros da pele não melanoma.
- Porque acha que se dá esse aumento?
Por um lado, por fatores que podem ser evitados, ou modificados, tais como, o tabaco, a alimentação rica em gorduras e pobre em fibras e vegetais, o sedentarismo, por outro lado, pelo aumento da esperança média de vida. Além disso, o acesso mais facilitado aos meios complementares de diagnóstico e os programas de rastreio, nomeadamente para cancro da mama, do colo do útero e cancro colo-retal, permitem diagnosticar de forma precoce estas patologias.
- Apesar de se sobreviver-se muito continua-se ainda a morrer muito. A que se deve isso?
A mortalidade elevada deve-se ainda ao diagnostico tardio destas patologias, que faz com que, numa percentagem elevada, os doentes sejam diagnosticados já na fase avançada de doença (doença metastática) onde as possibilidades de tratamentos curativos são menores. No entanto, temos assistido a avanços consideráveis em novas formas de tratamento que vão ter um impacto positivo na sobrevivência de alguns tipos de cancro, mesmo em fases mais avançadas. Alguns programas de rastreio, como é o caso dos tumores do cólon e do reto necessitam de melhoria e implementação urgente.
- Acha que as pessoas estão conscientes do cancro? O que lhes falta?
De um modo geral sim. Contudo, esta patologia ainda está associada a muitos mitos e medos que faz com que as pessoas tenham muito receio do diagnóstico e dos seus tratamentos. Temos que continuar ativamente a informar de forma clara e criativa.
- Ter cancro é uma lotaria ou está em grande parte na mão de cada um?
O cancro é uma doença com base em alterações nos genes, mas muito associada à idade. Na maioria dos casos, as alterações genéticas ocorrem por mutações ao acaso. As formas hereditárias representam no máximo 1-3% dos casos.
Mas existem fatores de risco extrínsecos, que são modificáveis, como o tabaco, que estão associados a alguns tipos de cancro. Portanto, um estilo de vida saudável está claramente associado a melhoria na nossa saúde e é uma forma de prevenir doenças, nomeadamente da doença oncológica.
- O que uma pessoa pode fazer para diminuir o risco?
Tentar ter um estilo de vida saudável, aceder aos programas de rastreio e ter um acompanhamento regular no médico de medicina geral e familiar, a quem deve recorrer quando identificar algum sintoma suspeito.
- Pode enumerar as atitudes e hábitos mais importantes para diminuir o risco?
Praticar desporto regularmente, ter uma alimentação com uma componente de vegetais, frutas, fibras e com menor ingestão de gorduras e carnes fumadas. Evitar as radiações ultravioletas nas horas não adequadas, eliminar o tabaco e a ingestão de álcool em excesso.
- Hoje há muitos tratamentos inovadores. Quais destacaria?
Nas últimas duas décadas temos assistido a uma mudança radical no tratamento das doenças oncológicas com a descoberta das chamadas alterações genéticas alvo. A identificação destas alterações permitiu o desenvolvimento de terapêuticas biológicas, que tratam de uma forma cada vez mais dirigida e precisa cada tipo de tumor. Mais recentemente, as novas formas de manipulação do sistema imunitário permitiram o desenvolvimento da imunoterapia. Na imunoterapia estimulam-se as defesas do próprio organismo a lutar contra o cancro. Esta modalidade de tratamento tem permitido que alguns doentes se mantenham em remissão durante anos, algo que até então as outras formas de tratamento não conseguiram.
Um exemplo de mudança total de paradigma é o cancro do pulmão, cuja taxa de sobrevivência dos doentes com doença avançada mudou radicalmente, com a aplicação destas novas formas de tratamento.
- O que está a ser investigado e promete ajudar os doentes nos próximos tempos?
Continuam a surgir novas classes de medicamentos e associações entre os medicamentos já existentes, que estão em contínuo estudo nas várias patologias e fases de doença. Ainda se utiliza a quimioterapia clássica, mas o seu papel será menor no futuro. O tratamento está a ser cada vez mais dirigido e os ensaios clínicos vão nesse sentido, de forma a tratar pelas alterações genéticas (hereditárias e não hereditárias) que o tumor apresente e não apenas pelo diagnostico de origem. Iremos utilizar cada vez mais painéis genéticos que permitem adequar o tratamento a cada subtipo específico de tumor. Pretende-se cada vez mais um tratamento personalizado e é nesse sentido que a evolução científica se encaminha.
- A pandemia teve efeito no tratamento dos doentes?
Sim. A pandemia teve impacto em tudo na nossa vida e nos doentes oncológicos não é exceção. O desconhecimento da evolução da pandemia e os números crescentes de mortes e de incidência por vagas fez com que em determinados momentos alguns tratamentos, nomeadamente cirúrgicos, tenham sido prejudicados. Em relação aos tratamentos sistémicos, nomeadamente a quimioterapia ou imunoterapia, também houve algum impacto, sobretudo na fase inicial da pandemia dado o desconhecimento da evolução da mesma, com mais adiamentos de tratamentos até a pedido dos próprios doentes. No entanto, assistiu-se a uma rápida resposta de reorganização dos serviços de oncologia, o que permitiu a manutenção dos tratamentos essenciais.
- Qual vai ser o impacto da pandemia no cancro?
O impacto da pandemia no cancro tem várias vertentes. O cancro é um conjunto complexo de doenças cujos prognósticos são influenciados pelo momento do diagnóstico e intervenção/tratamento. Em geral, quanto mais precoce for o diagnóstico e a atitude terapêutica, melhor será o prognóstico.
O primeiro impacto reflete-se exatamente no diagnostico tardio, com o previsível aumento de doentes a serem diagnosticados em fases avançadas, já sem possibilidade de tratamentos curativos. Por outro lado, alguns tratamentos eletivos/programados, como as cirurgias, ou não foram realizados ou foram reajustados, não pelas melhoras práticas clínicas, mas para preservar a capacidade clínica de tratamento dos doentes com Covid-19. Não pode haver dúvida de que a pandemia provocou atraso no diagnóstico e tratamento ideal dos doentes com várias patologias, entre os quais os doentes oncológicos. Outro impacto, decorre das mudanças na forma de estar e de socialização das populações. Com as medidas restritivas, a tecnologia digital ganhou mais impacto no nosso quotidiano e constituiu um aliado importante na manutenção de cuidados, nas alturas mais críticas. No entanto, a relação médico-doente é fundamental em oncologia, implicando empatia e confiança o que se torna mais difícil, com estes contactos virtuais. A transmissão de notícias e a discussão de tratamentos necessitam de proximidade entre médico e doente e a nova forma de fazer medicina tem impacto sobre esta relação.