Os dados mais recentes sobre o cancro da próstata em Portugal indicam que existem cerca de 6600 novos casos por ano, sendo este o tumor com maior prevalência nos homens, mesmo acima do cancro do cólon e reto e o do pulmão, esclarece à VISÃO José Sanches de Magalhães, fundador e diretor do Instituto de Terapia Focal da Próstata e médico no IPO do Porto.
“A boa notícia é que 90% de todos os cancros deste tipo são detetados quando o tumor está localizado na próstata ou em torno dela, pelo que as taxas de sucesso do tratamento são altas, em comparação com a maioria dos outros tipos de doença oncológica”, explica o médico. Além disso, diz, a maioria destes tipos de cancro é de evolução lenta ou surge, muitas vezes, em idade bastante avançada, ou seja, não tem repercussões evidentes na vida dos doentes.
Existem, contudo, casos em que a doença se manifesta de forma mais agressiva e, consequentemente, os efeitos secundários também podem surgir de maneira mais intensa. Caso os doentes necessitem de realizar sessões de radioterapia, o tratamento pode provocar alterações ao nível do intestino, explica Sanches de Magalhães. “Os tratamentos hormonais diminuem a líbido, provocam sensação de calor ou afogueamento semelhantes aos que as mulheres sentem na menopausa e levam a uma diminuição da capacidade física em geral”, esclarece o médico, referindo que, nos casos em que se realizem tratamentos de longo prazo, os doentes também podem vir a sofrer de osteoporose.
Se for necessária a realização de uma prostactectomia radical, os doentes podem sofrer, posteriormente, de incontinência urinária – que costuma ser temporária, explica Sanches de Magalhães – ou até de disfunção erétil.
Os efeitos psicológicos associados a este tumor também têm uma prevalência grande, já que a vida familiar e sexual do doente pode ser afetada, assim como o seu estilo de vida. “Na maior parte dos casos, o paciente desenvolve uma depressão reativa, sendo aconselhável o acompanhamento numa consulta de psicologia ou psiquiatria”, esclarece o especialista.
O diagnóstico precoce como ponto de partida
Como se podem, então, minimizar os efeitos deste cancro? Com diagnósticos precoces, responde Sanches de Magalhães, sem surpresas. “Se for uma doença de risco baixo, pode ser acompanhada apenas através da vigilância ativa, com uma monitorização periódica da sua evolução”, esclarece. A informação disponível sobre o cancro da próstata e os tratamentos possíveis é vasta, o que é necessário, acrescenta, é que os médicos conheçam bem todo o historial do doente e consigam acompanhá-lo e orientá-lo da melhor forma. “Os médicos devem ter uma conversa aberta com os doentes, para os colocarem a par de toda a informação relevante sobre a sua condição clínica e para que, em conjunto, possam avaliar todas as opções terapêuticas disponíveis e selecionar aquela que melhor se adequa a cada caso.”
Os tratamentos disponíveis são suficientes?
Sim, e há avanços nesta área, afirma o especialista. Relativamente ao diagnóstico, a ressonância magnética tornou-se, ao longo do tempo, essencial para a deteção do cancro da próstata localizado, sendo que, hoje em dia, não faz sentido realizar-se uma biópsia sem antes se fazer uma ressonância magnética multiparamétrica (RMNmp), afirma Sanches de Magalhães. “É uma técnica de imagem utilizada para determinar a localização de lesões na próstata e para guiar biópsias prostáticas, que permite localizar com elevada fiabilidade o local ou locais do tumor”, explica. Estudos realizados ao longo dos últimos dez anos têm mostrado como esta técnica pode ajudar a evitar a realização de biópsias desnecessárias.
Se for necessária a realização de uma biópsia, é aconselhável a biópsia de fusão, uma nova técnica que utiliza imagens previamente disponibilizadas pela ressonância magnética multiparamétrica, o que vai fazer com que este exame seja mais preciso e rigoroso. “A fusão de imagens de RMNmp e ecografia, em tempo real, durante a realização do exame, aumenta a probabilidade de deteção de doença maligna significativa, minimiza o número de punções necessárias em cada procedimento e diminui a necessidade de repetição da biópsia”, esclarece o médico. Apesar de eficaz, esta técnica não está disponível na quase totalidade dos hospitais públicos, nem é comparticipada pelo SNS.
Em relação aos tratamentos disponíveis, além dos tradicionais já utilizados – cirurgia, quimio e radioterapia e, muito comum neste tipo de cancro, hormonoterapia – têm sido realizadas investigações com o objetivo de tornar os tratamentos ainda mais eficazes e, acima de tudo, personalizados a cada doente. “Vamos poder contar com novos testes genéticos que, com base no estudo do ADN de cada paciente, nos vão ajudar a prever quais são os pacientes que correm o risco de desenvolver doença mais agressiva e adaptar o tratamento a essa condição”, explica Sanches de Magalhães, referindo que já existem alguns destes testes disponíveis no País, como o SelectMDX.
O especialista revela, também, que tem havido desenvolvimentos na criação de radiofármacos específicos para o combate às células malignas deste tipo de cancro. “E na área da imunoterapia, o processo de usar o próprio sistema imunológico do corpo para combater doenças, também vamos ter boas notícias em breve”, afirma Sanches de Magalhães.
Em relação à hormonoterapia, têm sido desenvolvidos novos fármacos, sendo a apalutamida um dos mais recentes. “É um anti-androgénico que tem demonstrado bons resultados no tratamento do cancro da próstata resistente à castração mas ainda não metastizado”, diz o especialista.
Uma das técnicas mais avançadas de combate ao cancro da próstata localizado é a eletroporação irreversível, uma terapia focal que utiliza impulsos elétricos e destrói as células malignas. Também tem apresentado bons resultados no tratamento de outros tipos de cancro (pâncreas, rim e fígado). “Enquanto as terapias radicais, como a prostatectomia radical da próstata ou a radioterapia, têm efeitos secundários muitas vezes irreversíveis, a terapia focal tem a vantagem de preservar as funções urinária e sexual, para além de ser uma técnica minimamente invasiva e com uma recuperação muito rápida”, explica Sanches de Magalhães.
O que falta fazer?
Apesar de alguns dos novos e mais avançados tratamentos ainda se encontrarem em fase de investigação, o médico acredita que, com os avanços médicos de hoje em dia, todos eles serão realizados diariamente.
Contudo, as terapias focais não são comparticipadas pelo Estado, nem estão disponíveis no SNS. “Isto faz com que a prescrição ou a escolha da terapêutica a aplicar num determinado paciente possa ficar condicionada”, explica o especialista.
“Era importante maximizar a capacidade de resposta dos serviços de Urologia, com mais médicos e mais equipamentos, assim como melhorar a interligação entre os médicos de família e os urologistas, de forma a que os doentes fizessem logo a ressonância magnética como forma de triagem, prévia à biópsia”, afirma o médico. “Ou, então, que fosse permitido aos médicos de família a prescrição deste exame, o que já seria um bom avanço no diagnóstico e permitiria ganhar tempo valioso para o processo de cura”.