Quando se ouve falar em cancro, só há uma coisa que torna o cenário ainda mais assustador o diagnóstico: ser metastático, um palavrão a indicar que o tumor viajou para lá do local onde surgiu primeiro e que é responsável por nove em cada dez mortes em doentes de cancro.
Três estudos recentes trazem mostram que por trás deste processo pode estar uma bactéria comum: conhecida por Fusobacterium nucleatum, vive normalmente de forma mais ou menos inofensiva nas gengivas. Mas, segundo estes novos dados, parece ter um papel bastante mais ativo na propagação de alguns cancros.
É o caso do cólon, esófago, pâncreas e, ainda, da mama. Viajando através do sangue, a bactéria acaba a infetar células tumorais, ao ligar-se a uma molécula de açúcar na sua superfície. Aí, desencadeia uma série de sinais e respostas imunitárias que levam a uma migração das células e, com isso, as ditas metástases.
O poder do microbioma
É mais um dado a confirmar o que tem vindo a ser descoberto sobre a forma como o microbioma influencia a progressão do cancro – e pode mesmo apontar o caminho para novas abordagens ao tratamento. Aliás, muito da moderna imunoterapia funciona melhor na presença de micróbios benéficos.
Para já, sabe-se que, numa boca saudável, a F. nucleatum não causa problemas. Mas perante situações específicas, como uma higiene dentária deficiente, diabetes ou outras doenças, a normalmente inofensiva bactéria pode provocar complicações. Uma periodontite aqui, uma amigdalite ali, apendicite e até trabalho de parto prematuro.
Há cerca de uma década, foi associada pela primeira vez ao cancro colorretal. E desde então dezenas de estudos confirmaram que a sua presença nas células tumorais é um sinal de problemas. Não só representa um pior prognóstico como até resistência à quimioterapia. E, como se adianta agora, metástases. É que até este momento não se sabia se a sua presença era apenas um sinal de aviso ou tinha um papel ativo na progressão da doença. Mas os três estudos recentemente publicados sobre o assunto dizem que sim.
“Gás num incêndio que vai bem alto”
“Chegámos à mesma conclusão através de caminhos diferentes”, frisa Daniel Blade, bioquímico da Universidade da Vírgínia, citado pela Scientifican American. Slade e os seus colegas descobriram que, quando as células tumorais do cólon são invadidas por aquela bactéria, produziram duas proteínas infamatórias que demonstraram promover a migração de células malignas.
É o que se considera um primeiro passo para o aparecimento da metástase. Mas não é estudo único. Uma segunda investigação, feita em ratinhos, relatou que a bactéria produz alterações na regulação genética que impulsiona a metástase para os pulmões. E um terceiro estudo determinou que a abundância da dita bactéria está diretamente relacionada com a quantidade de metástases.
O pior, comprovaram Slade e os seus colegas, é que instiga uma espécie de tempestade de citocinas, com o intuito de controlar a infeção. Mas que, em última análise, acaba por exacerbar o cancro. “É como atirar gás para um incêndio que já vai bem alto.”