A explicação oficial foi dada pelo porta-voz daquela agência do Departamento de Saúde dos EUA. “Uma versão preliminar das alterações propostas a estas recomendações foi publicada por engano no nosso site. Estamos a rever tudo e logo que o processo esteja concluído será divulgado”, sublinhou Jason McDonald, porta-voz do Centro de Controlo de Doenças (CDC), à CNN.
A recomendação em causa causou bastante impacto porque diz respeito à forma como o SARS-CoV-2 é difundido. Ou seja, embora se considere que o contágio possa ocorrer através de gotículas expelidas por pessoas infetadas, a investigação tem continuado a explorar a forma como isso acontece.
Daí que a publicação, discreta, na sexta-feira, deste guia de transmissão a confirmar a transmissão pelo ar, e a sua retirada dois dias depois, tenha causado alguma inquietação. Um funcionário federal, citado por aquela estação americana, apressou-se logo ainda a garantir que aquilo era obra totalmente do CDC e fora afixado por engano. “Era um documento provisório, não estava pronto para ser divulgado”. A orientação, acrescentou, estava a ser revista, mas não se sabe ainda quando será definitivamente divulgada.
Recomendação igual a maio
Assim, a página do CDC diz agora que se pensa que a Covid-19 se espalha principalmente entre pessoas em contacto próximo, tal como através de gotículas respiratórias produzidas quando uma pessoa infetada tosse, espirra ou fala. Exatamente a mesma recomendação que foi publicada há 4 meses, no final de maio.
Já a recomendação feita na sexta-feira, e entretanto removida, referia que a principal forma de propagação do vírus seria a via aérea. Ali se especificava ainda que “há provas crescentes de que as gotículas transportadas pelo ar podem permanecer suspensas e inaladas por outros”. E ainda referia que se deveriam tomar novas medidas. Como recorrer a purificadores do ar e a manter sempre dois metros de distância das outras pessoas.
Politicamente correto?
Recorde-se que, durante meses, vários investigadores assinalaram que este coronavírus podia ser transmitido através de pequenas partículas transportadas pelo ar. Em julho, 239 cientistas publicaram mesmo uma carta que instava a Organização Mundial de Saúde, e outras organizações de saúde pública, a estarem mais atentas à probabilidade de as pessoas poderem apanhar o vírus dessa forma. Aliás, a própria OMS já tinha outros dados a apontar apontava nesse sentido.
Foi por isso que Donald Milton, professor de saúde ambiental e um dos autores dessa carta, se sentiu encorajado quando viu as supostas novas orientações do CDC. Mas depois logo achou estranho que o resto do site não tivesse sido atualizado a refletir tal mudança. Ainda assim, foi muito politicamente correto nas suas declarações. “Estou muito feliz por saber que o CDC está a trabalhar para incorporar a ciência mais recente nas suas declarações públicas sobre transmissão”.
Já Mike Ryan foi bem mais contundente, ao lembrar que, enquanto os Estados Unidos aguardam os conselhos finais do CDC, o mundo não pode esperar para tentar impedir a propagação da doença. “Com base na informação atual, a OMS acredita que existem várias formas de transmissão da doença. Daí a possibilidade de infeção dentro de portas e em ambientes com pouca ventilação. “Trata-se, cada vez mais, de conhecer o risco, gerir a frequência, intensidade e duração do tempo que se passa nesses locais”, referiu. Tendo de aceitar que há muito poucos absolutos nesta equação, acrescentou, é preciso tomar decisões inteligentes. “Isso implica conhecer o risco, minimizá-lo, e depois ter consciência do risco residual e como o evitar.”
Preocupações com a pressão política
Mas a maior preocupação com esta súbita alteração e volte-face das recomendações prende-se com o receio de haver pressão da política e possíveis interferências na agência. E poderá não ser uma dúvida assim tão infundada. Afinal, como também adianta a CNN, o mesmo CDC tinha ainda atualizado as orientações de teste, salientando que qualquer pessoa em contacto com outra infetada deveria fazê-lo. Isto depois de uma atualização anterior, controversa e não escrita por cientistas do CDC, ter sido colocada online antes de submetida ao processo normal de revisão científica.
Além disso, faz saber a mesma CNN, há funcionários de comunicações dos serviços de saúde que foram recentemente pressionados “para mudar a linguagem dos relatórios científicos semanais publicados pelo CDC”. Tudo de modo a não minar a mensagem política de Donald Trump”. Leana Wen, médica de emergência da Universidade George Washington e analista médica da CNN, assumiu-o sem medos. “Já há muita confusão entre o que é ciência e o que não é. Sem uma explicação pública, atitudes destas têm como principal efeito uma crescente desconfiança no CDC”.