Em Portugal, há mais 44% de mulheres infetadas pelo coronavírus do que homens. No entanto, quando se analisam os números de vítimas mortais a proporção está longe de ser a mesma. Há quase tantas mulheres como homens: 479 para 469 (dados de 28 de abril). O que explica esta disparidade na mortalidade associada ao género, que, aliás, se verifica em todos os países afetados pela Covid-19 e que mantêm um registo mais ou menos fiável do número de casos?
Não é novidade que as mulheres vivem mais do que os homens. Neste momento, a esperança de vida à nascença no nosso país é de 84,5 anos para um bebé do sexo feminino e 78,3 para um bebé do sexo masculino, mais de seis anos de diferença. A explicação para a maior sobrevivência das raparigas passa por vários fatores. Há os genes, as hormonas e o comportamento – os homens continuam a fumar mais e a cuidar menos da sua saúde. E esta diferença não é exclusiva do SARS-CoV-2. Em muitas outras patologias, o género feminino tem mais hipóteses de sobrevivência.
Durante epidemias anteriores, com outros coronavírus, o sexo masculino esteve sempre associado a pior prognóstico. Foi assim com a pneumonia atípica, ou primeira SARS, em Hong Kong, e com a síndrome respiratória aguda do Médio Oriente (MERS).
Dados da iniciativa Global Health 5050 (que pretende fomentar a igualdade no acesso ao tratamento) mostram que em praticamente todos os países em que os dados são fiáveis a taxa de mortalidade por Covid-19 é sempre mais alta entre os homens. Os casos extremos são a Grécia e a Dinamarca. De acordo com os dados reunidos pela organização, a taxa de mortalidade por Covid-19 é de 2,1 para 1. Ou seja, nestes países os homens têm duas vezes maior probabilidade de morrer de Covid do que as mulheres. Na Dinamarca, 5,7% dos casos confirmados entre os homens resultou em morte enquanto 2,7% das mulheres acabaram por falecer. Em Portugal, por exemplo, atualmente, é de 4,7% contra 3,3 por cento, se tivermos em conta a relação entre o número de mortos e o total de infetados, por género.
Para melhor perceber estas diferenças comecemos por olhar para as outras patologias, as ditas co-morbilidades, que sabemos afetar o desenrolar da doença: hipertensão, doença cardiovascular e doença pulmonar obstrutiva crónica. A nível global, todos estes problemas de saúde tendem a afetar mais homens do que mulheres e há quem sustente que sejam estes fatores indiretos a condicionar o desfecho. “Há quem proponha que idade e sexo são fatores indiretos. O verdadeiro fator que determina a fragilidade são as doenças crónicas, sobretudo cardiovasculares (que afetam mais os homens que as mulheres e os idosos mais que os jovens)”, nota o professor na Faculdade de Medicina de Lisboa, Miguel Castanho. Esta relação tão forte entre a infeção e estes problemas de saúde está relacionada com o local de entrada do vírus SARS-Cov-2 nas células.
As mulheres são em geral capazes de ter uma resposta imunitária mais vigorosa perante a infeção ou a vacinação e até em doenças malignas
Seminars in Immunopathology
No entanto, há quem arrisque explicações mais primordiais. Num trabalho publicado na revista Seminars in Immunopathology admite-se que “as mulheres são em geral capazes de ter uma resposta imunitária mais vigorosa perante a infeção ou a vacinação e até em doenças malignas.” (O reverso da medalha é a menor fragilidade face a doenças auto-imunes).
Verifica-se por exemplo, em ratinhos, que os machos produzem uma resposta inflamatória exacerbada, com grande produção de citoquinas, uma das causas do dano pulmonar nos casos de Covid-19. Parece que esta afinação da resposta imunitária está relacionada com a presença de estrogénio, a hormona feminina até porque nas fêmeas de ratinho em que a ação da hormona foi bloqueada a taxa de mortalidade era praticamente igual à que se registou nos machos.
Se o comportamento influencia a mortalidade – os hábitos tabágicos, a prática de exercício físico, o consumo de álcool – contribuem para uma maior mortalidade entre o sexo masculino, também acaba por ter impacto na população afetada, como realçou um artigo da Lancet. A nível global, há uma maior predominância do género feminino nos profissionais de saúde, uma fatia da população que está particularmente exposta. Além disso, tipicamente o papel do cuidador, a nível familiar, está por conta das mulheres.