A análise exaustiva da propagação da Covid-19 em nove pacientes alemães veio revelar que o novo coronavírus se multiplica muito mais e em muito menos tempo do que o vírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), outro coronavírus descoberto em 2002, que matou quase 800 pessoas.
A carga viral do SARS-CoV-2 chega a ser mil vezes maior à da SARS, conclui um estudo publicado na prestigiada revista científica Nature.
As nove pessoas analisadas no âmbito desta investigação foram infetadas no mesmo surto, descoberto no final do mês de janeiro, em Munique, na Alemanha. O estudo liderado pelo investigador Roman Wölfel, do Instituto de Microbiologia de Bundeswehr, em Munique, mostra que o vírus não só se multiplica nos pulmões, tal como a SARS, como também se replica fortemente na garganta durante a primeira semana com sintomas.
Os cientistas alemães analisaram amostras retiradas da garganta e dos pulmões dos pacientes, mas também recolheram expetoração, fezes, urina e sangue dos infetados para tentarem compreender o comportamento da doença.
Nas pessoas com sintomatologia ligeira, os investigadores encontraram o vírus ativo na garganta e nos pulmões só no oitavo dia após o início dos sintomas, sendo o pico da carga viral atingido antes do quinto dia da doença. Já no caso da SARS, a carga viral máxima era mil vezes menor e só era atingida sete a dez dias após o início dos sintomas.
Esta diferença é crucial porque mostra que o pico da carga viral, no caso das pessoas contagiadas com o novo coronavírus, pode ser atingido antes de a sintomatologia se manifestar, tornando estes pacientes mais ligeiros em verdadeiras bombas-relógio que disseminam o vírus antes de terem sintomas da infeção.
Os modelos matemáticos, alimentados pela recolha de informação em massa sobre os cidadãos chineses infetados, já revelavam que até 86% dos contágios, no início da pandemia, foram provocados por pessoas infetadas, mas com sintomas leves.
O novo coronavírus e a SARS usam a mesma porta de entrada no corpo humano: a proteína ACE2, que se encontra na superfície das células nos pulmões. Agora, este novo artigo científico sugere que uma mutação pode permitir ao novo coronavírus abrir outra porta de entrada: as células da garganta.
O estudo também revelou que o vírus não se encontra ativo no sangue, na urina ou nas fezes dos doentes, eliminado a possibilidade de contágio através do contacto com estas substâncias.
Os exames ao sangue dos nove pacientes analisados mostram que cerca de metade deles tinha anticorpos contra o vírus ao sétimo dia de infeção e o restantes no décimo quarto dia. Os cientistas alertam para o facto de o aparecimento de anticorpos – gerados pelo corpo humano para se defender contra o invasor – não implicar a eliminação imediata do vírus. Os autores do estudo sublinham, por isso, que futuras vacinas focadas em instigar a produção de anticorpos terão de “induzir respostas muito fortes para serem eficazes”. Uma vez dentro de uma célula humana, um coronavírus pode produzir até cem mil cópias de si mesmo em 24 horas.
Quatro dos nove pacientes de Munique relataram uma perda do olfato e do paladar muito mais forte e duradoura do que a tradicionalmente provocada por uma gripe comum. Segundo este novo estudo, essa sintomatologia pode estar relacionada com a intensa multiplicação do vírus nas células do trato respiratório superior (do nariz à garganta).
A investigação indica que o vírus ataca o corpo humano em duas fases. Inicialmente, concentra-se na garganta, provocando sintomas leves ou indetetáveis, o que facilita a sua propagação. A seguir, nos pacientes com quadros mais graves, o vírus multiplica-se nos pulmões e provoca pneumonias graves. Dois dos nove pacientes alemães chegaram a mostrar sinais preliminares de pneumonia.
Na expetoração, o vírus permaneceu em níveis elevados até aos dias dez e onze da infeção. Segundo os autores, este resultado sugere que os pacientes infetados devem permanecer em isolamento até estarem completamente curados.