Um gráfico realizado pelo New York Times, e que mostra as profissões com mais risco de exposição a vírus e infeções, aponta os dentistas como os profissionais que têm maior probabilidade de contrair Covid-19. De acordo com a análise do gráfico, percebe-se que estes profissionais, além de serem, com mais frequência, expostos a doenças e infeções (96, numa escala de 0 a 100), têm contacto muito próximo com outras pessoas permanentemente (99, de 0 a 100 também), o que os torna mais propensos a contraírem coronavírus.
Logo a seguir, estão os paramédicos, os enfermeiros e os comissários de bordo, respetivamente, de acordo com os resultados calculados a partir do O * NET, um banco de dados online que pertence ao Departamento do Trabalho dos EUA.
Paulo Rompante, médico dentista e professor na Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário (CESPU), explica à VISÃO que o grande risco para os médicos dentistas está relacionado com a formação de aerossóis. ” São microgotículas que se espalham por todo o lado a partir da água da turbina, que usamos diariamente, e se depositam nas superfícies”, esclarece. Como o vírus pode manter-se vivo nas superfícies desde várias horas a dias, segundo a Organização Mundial de Saúde, não se consegue garantir que o equipamento e o próprio consultório fiquem completamente estéreis.
“Muitos dos nossos procedimentos geram aerossóis, nuvem pulverizada de gotículas microscópicas que ficam suspensas no ar e transportam o vírus”, concorda Filipe Aguilar, médico dentista e Diretor Clínico da Clínica Médica e Dentária Pure, em Lisboa.
“Além de o médico dentista poder contrair a doença, é muito difícil conseguir controlar o local em si para o paciente seguinte”, esclarece Paulo Rompante.
Os aparelhos ultrassónicos utilizados na destartarização também são uma fonte de perigo e transmissão do vírus, explica Filipe Aguilar, porque produzem uma vibração que, quando deita água, gera uma nuvem de gotículas que bate nas superfícies dentárias e mucosas e transporta o vírus para o ar.
O mesmo acontece com outros tipos de vírus e bactérias, claro, como o VHB, o vírus que causa a hepatite B, ou o que provoca a herpes, por exemplo. Contudo, os agentes desinfetantes utilizados atualmente nas clínicas dentárias são eficazes no combate a estes tipos de vírus e bactérias, não sendo face à covid-19 porque se trata de um vírus novo. “Além disso, a percentagem de indivíduos infetados com hepatite B é baixa. Nesta altura, não sabemos quem está infetado ou não com coronavírus. Até porque há muitos doentes assintomáticos”, adverte Paulo Rompante, que garante que um “assintomático que não tenha feito o teste de Covid-19 constitui um problema gravíssimo para os dentistas”.
De acordo com Filipe Aguilar, outro motivo que pode justificar a maior exposição destes profissionais à Covid-19 tem a ver com o facto de se suspeitar que “a língua e mucosa oral sejam dos sítios onde há mais recetores para o vírus e, por essa razão, as zonas onde há maior quantidade de vírus”, como também sugere um estudo recente, publicado na revista científica Nature em fevereiro.
Para Paulo Rompante, é “impensável” que os médicos dentistas continuem a exercer a profissão neste período crítico. Várias clínicas começaram, ao longo dos últimos dias, a encerrar por decisão dos seus ditetores clínicos. Mas, no último domingo, foi publicado um decreto-lei que determinou “a suspensão de toda e qualquer atividade de medicina dentária, de estomatologia e de odontologia em Portugal, com exceção das situações comprovadamente urgentes e inadiáveis”.
A Ordem dos Médicos Dentistas tinha, já, aconselhado, numa nota enviada à agência Lusa, o encerramento de todas as clínicas, recomendando a “suspensão ou adiamento das consultas” que não fossem urgentes.
Devido a este cenário preocupante, foi criado, recentemente, um grupo no Facebook para que médicos dentistas e outros profissionais ligados à área possam partilhar informações importantes sobre a doença. “Temos assistentes e outros profissionais de saúde no grupo e o objetivo é consciencializar para o risco e necessidade de, nesta fase, limitarmos o atendimento ao estritamente necessário e urgente”, explica Filipe Aguilar, administrador do grupo, que garante que vários destes profissionais já estiveram em contacto com pacientes com covid-19. “O grupo existe para nos entreajudarmos, porque daqui para a frente nada será igual”, defende. “A perspetiva de contaminação e proteção vai mudar para sempre com este vírus”.