No início do ano, uma promissora investigação avançava que o muco dos peixes, aquele que os torna escorregadios, poderia ser a base para novos antibióticos eficazes contra bactérias multirresistentes e os mais avisados até poderiam ficar aqui a pensar se isso não inspiraria práticas menos razoáveis. E inspirou: há registos credíveis, na América, de antibióticos desenvolvidos para os peixes a serem utilizados por humanos.
Foi a essa conclusão que chegaram os investigadores que avaliaram análises de peixes disponíveis online, descobrindo uma percentagem pequena, mas significativa, de consumidores que usaram antibióticos comercializados para peixes. Além disso, pelo menos cinco daquelas embalagens tinham as impressões, cores e formas exatas de antibióticos para humanos, o que poderá também ter contribuído para isso.
“Embora o consumo humano de antibióticos para peixes seja provavelmente baixo, qualquer consumo humano de antibióticos destinados a animais é alarmante”, disse Brandon Bookstaver, da Faculdade de Farmácia da Universidade da Carolina do Sul, que apresentou o estudo na conferência semestral da Sociedade Americana de Farmacêuticos, em Las Vegas. Além disso, acrescentou, “a automedicação e toma de antibióticos sem supervisão médica podem contribuir para aumentar a resistência antimicrobiana e atrasar o tratamento apropriado.” Houve ainda um vendedor de produtos online que, em resposta a um comentário, garantiu que os antibióticos para os peixes eram também adequados para uso humano.
Esta prática de recorrer a medicamentos para animais poderá mesmo ser maior do que se poderia pensar – como contou ainda, citado pelo The Guardian, Farzon Nahvi, médico do instituto de emergência americano, em Nova Iorque, a garantir que tem crescido o número de pacientes com overdoses deste tipo de antibióticos. “Sei quem tenha tomado porque não tem plano de saúde”, refere, acrescentando que, como acabou nos cuidados intensivos, acabou por receber uma conta ainda maior. O pior? Como estava hospitalizada, acabou por faltar a uma entrevista de emprego – que poderia ter-lhe garantido o tal seguro de saúde.
Ao todo, há pelo menos 27 milhões de americanos sem acesso a cuidados de saúde, e um em cada quatro tem dificuldade em pagar os medicamentos de que precisa. “Isto é bem revelador do que acontece às pessoas excluídas do sistema: ao procurarem soluções fora dele, acabam por ter de lidar com efeitos bem mais perigosos.”
O uso errado de antibióticos foi já descrito pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma das maiores ameaças à saúde pública por aumentar a resistência antibiótica e tornar uma série de doenças mais difíceis de tratar – como a tuberculose ou a pneumonia. Esta resistência pode ainda conduzir a estadas prolongadas no hospital e, claro, custos médicos mais altos.