Nos anos 30 do século XX, nos tempos da ditadura, o Uruguai instituiu o cartão de saúde – um documento que todos os uruguaios têm de ter em dia para poderem trabalhar, frequentar a escola, tirar a carta de condução. A cada dois anos, têm de fazer análises ao sangue e à urina e ainda atualizar as vacinas. E, desde 2006, as mulheres com mais de 40 anos e menos de 60 têm também de se submeter a uma mamografia, uma medida imposta pelo atual presidente, Tabaré Vasquez, no seu primeiro mandato. Vasquez, oncologista, é considerado um herói da Saúde Pública e um exemplo na luta contra o cancro.
Quando a medida entrou em vigor, a engenheira informática Ana Rosengurtt tinha 45 anos e fez o seu primeiro exame mamário. Em 2012, quando já deveria fazer o quarto exame, sendo que todos os anteriores não tinham revelado qualquer problema, recusou-se a expor-se a radiação e à ansiedade e desconforto que vêm com uma mamografia. Por esta altura, a engenheira já tinha lido muito sobre o problema dos falsos positivos associados ao exame, das biópsias feitas desnecessariamente, dos efeitos nefastos da radiação e até da ineficácia do rastreio ao cancro da mama como forma de evitar a mortalidade pela doença.
Depois de uma luta de anos com o Estado uruguaio, Ana conseguiu finalmente que um tribunal decretasse que os direitos humanos se sobrepunham às questões de saúde. Nos quatro anos em que se manteve no limbo, teve de se sujeitar a exames de seis em seis meses para a emissão de um atestado condicional, de modo a conseguir continuar a trabalhar.
Depois desta experiência, Ana Rosengurtt tornou-se uma espécie de embaixadora dos riscos associados ao sobrediagnóstico/sobretratamento, um problema que preocupa cada vez mais os médicos e autoridades de saúde e que está a ser debatido até dia 7 de dezembro, em Sydney, na Austrália, num congresso, onde o caso foi denunciado.
A questão do sobrediagnóstico começou por ser levantada em torno dos rastreios generalizados para cancro da mama e cancro da próstata, sendo o principal argumento o de que os testes disponíveis geram demasiados falsos positivos – que acabam em cirurgias e elevados níveis de stresse desnecessários – e tem chegado a áreas como a descodificação do genoma e a sua utilidade.