Quando alguém sofre um trauma grave e perde tanto sangue que o coração pára, as manobras de reanimação habituais não servem de nada e a opção é uma cirurgia para tentar, numa ingrata corrida contra o tempo, fazer chegar sangue ao coração e ao cérebro. “Temos alguém com uma lesão que é reparável mas não temos tempo para o fazer”, resumiu Samuel Tisherman, da Escola de Medicina da Universidade de Maryland, durante uma palestra num encontro da Academia de Ciências de Nova Iorque, esta semana.
É precisamente para ganhar tempo que a equipa liderada por Tisherman está a dedicar-se ao conceito de animação suspensa a que se refere, para se afastar “da noção da ficção científica”, como preservação e ressuscitação de emergência.
Em entrevista à New Scientist, o investigador revelou que já testou a técnica em, “pelo menos, uma pessoa”, descrevendo a experiência como “um pouco surreal”. Tisherman não adiantou em quantas pessoas foi aplicada nem quantas sobreviveram.
A preservação e ressuscitação de emergência passa por arrefecer rapidamente o corpo para uma temperatura entre os 10 e os 15 graus (contra os normais 37), com recurso a água salgada muito fria.
“Tivemos esta ideia de que a maneira mais rápida de arrefecer todo o corpo, em particular o cérebro e o coração era encharcar o corpo com um fluído frio e uma [solução] salina é o que usamos”, explicou Tisherman, na palestra.
Arrefecer o corpo até temperaturas muito baixas ajuda os órgãos, como o cérebro, a precisarem de muito menos oxigénio do que em circunstâncias normais. Na prática, quer dizer que, com o paciente neste estado, os cirurgiões podem ter até duas horas para operar, em vez de apenas uns minutos.
Depois dos bons resultados da técnica em animais, a FDA, o organismo que regula o setor da saúde nos EUA, aprovou os testes em humanos, determinando que não é preciso o consentimento dos pacientes, uma vez que em causa estarão lesões provavelmente fatais e sem tratamento alternativo. Para quem não quiser participar, a opção é manifestar a sua recusa num site que a equipa de Tisherman criou para o efeito e que publicitou nos jornais.
O interesse do investigador no trauma foi desencadeado por um caso que acompanhou no início da carreira – um jovem esfaqueado no coração. “Minutos antes, era um jovem saudável, depois, de repente, estava morto. Podíamos tê-lo salvo se tivessemos tido tempo”, recorda.
A ideia é testar a técnica em 10 pacientes, e usar outros 10 como grupo de controlo. Estes serão os pacientes que chegarem ao hospital quando a equipa de Tisherman não estiver, o que significa que o procedimento não poderá ser realizado.
Apesar dos resultados promissores, a preservação e ressuscitação de emergência tem os seus riscos: é possível que as células sofram danos no momento do reaquecimento do corpo e da restauração da corrente sanguínea, mas os médicos esperam minimizar este risco com um cocktail de medicamentos.
Os resultados deverão ser anunciados no final de 2020.
“Quero deixar claro que não estamos a tentar enviar pessoas para Saturno. Estamos a tentar ganhar tempo para salvar vidas”, sublinha Tisherman.