Na Venezuela, as comunidades remotas da floresta tropical serviram de amostra para um estudo que vem agora alertar que a hipertensão não é um fator inerente do envelhecimento, mas sim o resultado de uma maior exposição a riscos decorrentes do estilo de vida, como alto teor de sal na dieta, falta de exercício físico e excesso de bebidas alcoólicas. “A ideia de que a pressão arterial aumenta com a idade, como parte de um fenómeno natural, está a ser cada vez mais dissipada através de evidências, incluindo as nossas descobertas. Numa população que é amplamente livre de exposição às influências ocidentais, não há aumento da pressão arterial diretamente relacionado com a idade”, explica ao jornal The Guardian, Noel Mueller, professor assistente da Universidade Johns Hopkins, que liderou a pesquisa.
A circulação do sangue, que tem por destino chegar a todos os tecidos e células do organismo, implica que haja alguma pressão sobre as paredes das artérias. Esta pressão, que é normal e até essencial para que o sangue atinja o seu destino, é a chamada “tensão arterial”. Existem, no entanto, uma série de fatores, de ordem genética ou ambiental, que podem fazer com que esta pressão sobre as paredes das artérias aumente em excesso e dá-se um cenário de hipertensão. Fator de risco para doenças cardiovasculares, em muitos países desenvolvidos a probabilidade de desenvolvimento de hipertensão aumenta com a idade. No Reino Unido, mais de um quarto dos adultos tem tensão alta e a proporção aumenta para 58% entre os 65 e os 74 anos. Em Portugal, segundo a Fundação Portuguesa de Cardiologia, existem cerca de dois milhões de hipertensos, metade sabe que sofre dessa patologia, 25% está medicado e 11% tem a tensão efetivamente controlada.
Publicado no Jama Cardiology, o estudo visou duas comunidades da floresta tropical. Os Yanomami, sem grande contacto com o mundo ocidental, rege-se por um estilo de vida caçador-coletor-jardineiro e não consome muito sal. Já os vizinhos Yekwana experimentaram alguns aspetos da vida ocidental através do comércio facilitado numa pista de aviação onde chegavam mercadorias como sal e alimentos processados, bem como a presença de visitantes, incluindo missionários, médicos e mineiros. A equipa mediu a tensão arterial de 72 Yanomami e 83 Yekwana, com idades entre 1 e 60 anos. Pesquisas anteriores destacavam a baixa tensão arterial dos Yanomami, mas esta é a primeira vez que crianças são incluídas num trabalho deste tipo.
Os Yekwana revelaram um aumento da pressão arterial relacionado com a idade, embora com um nível muito inferior ao observado nos Estados Unidos da América, por exemplo. No entanto, na comunidade Yanomami, a pressão arterial permaneceu, aproximadamente, a mesma.
Embora as crianças de ambas as comunidades tivessem medições igualmente baixas, o estudo observou que, aos 10 anos, as crianças Yekwana e Yanomami apresentaram diferenças significativas na pressão arterial, com a divergência a aumentar com a idade.
Com a participação de apenas 11 indivíduos Yekwana com mais de 40 anos, a pesquisa não descobriu exatamente quais as diferenças de estilo de vida e dieta que poderiam estar na base das tendências de idade e tensão arterial.
“Não está claro se esses fatores explicam completamente os resultados, que também podem ser em parte devido a fatores genéticos”, acrescenta James Sheppard, especialista em hipertensão da Universidade de Oxford e que não participou no estudo. A pesquisa também não mediu a pressão arterial dos participantes à medida que envelheciam, e os participantes eram relativamente jovens. Para Bryan Williams, especialista em hipertensão do University College Hospital, em Londres, o estudo “dá uma ideia de como seria uma trajetória normal da pressão arterial sem o impacto da ocidentalização – muito mais pessoas teriam tensão arterial normal ao longo da vida.”