Transmite bem-estar, paz, trata a depressão, promove a aprendizagem, combate o stresse. Estas são algumas das alegações associadas à prática de meditação. Há várias correntes e diferentes formas de chegar à “limpeza da mente”, mas os benefícios anunciados são comuns: faz bem ao corpo, à mente, à sociedade e recebe o aval de instituições sérias e credíveis. A Sociedade Americana do Coração defende que diminui o risco de ataque cardíaco, o Serviço Nacional de Saúde britânico oferece-a como tratamento para a depressão e as escolas americanas, inglesas e até portuguesas começam a adotar a técnica como forma de promover a tranquilidade na sala de aula.
Miguel Farias, 44 anos, investigador e especialista em psicologia cognitiva da Universidade de Coventry, no Reino Unido, começou por estudar os fenómenos religiosos até que se interessou por esta área, precisamente por ter encontrado muitos pontos em comum. Apesar de, no caso da meditação, a prática estar secularizada. “Ter sido considerada válida pelos cientistas funcionou como um fator de aceitação”, nota.
O que o investigador português concluiu foi que nem tudo o que se apregoa é verdade. Num artigo publicado na semana passada no jornal online Scientific Reports, do grupo Nature, Miguel Farias conta que a meditação foi redefinida como uma técnica não-religiosa de prestar a atenção ao momento presente, adaptada no Ocidente ao tratamento da dor crónica e à redução das recaídas em casos de depressão. Em contextos não clínicos, é acarinhada tanto no mundo empresarial como no militar.
No estudo de revisão agora publicado, o primeiro do género, o investigador avaliou todos os trabalhos já publicados sobre o impacto da meditação na promoção dos comportamentos sociais, como a compaixão, a empatia, a conectividade e o preconceito. E a conclusão não foi bem o que se esperava: “A meditação teve efeitos ao nível da compaixão e da empatia, mas não na agressividade, conectividade ou preconceito.” Mesmo assim, os efeitos ao nível da compaixão só aumentavam quando o professor de meditação também era autor do estudo ou quando o grupo de controlo, para comparação dos efeitos, não incluía participantes ativos.
Mesmo nas outras áreas de suposta intervenção da meditação têm vindo a surgir dúvidas, quando os estudos são feitos com verdadeiro rigor científico, nomeadamente na análise e tratamento de dados e na comparação com um grupo de controlo. “Desde 2015, têm surgido meta-análises [onde se integram resultados de dois ou mais estudos] que apontam para uma grande variação nos efeitos ao nível da dor e do stresse”, avança Miguel Farias. “Os melhores efeitos são no tratamento da depressão recorrente. Mas mesmo assim, quando se compara com exercício físico, os resultados são semelhantes. Nunca superiores. Para a maior parte das pessoas, é uma técnica de relaxamento. Este é o único benefício generalizado.”
Efeitos secundários
O próprio Miguel Farias recorre à respiração profunda, com inspiração e expiração controlada, como forma de se tranquilizar. O que o incomoda em particular é o exagero e a propagação da meditação a setores como a saúde ou a educação. “Há demasiado dinheiro investido nisso para que nos mantenhamos numa discussão meramente filosófica”, alerta.
“Quando se chega ao nível da escola é que me torno num crítico mais feroz. Não há qualquer evidência científica de que seja mais benéfico introduzir a meditação na sala de aula do que pôr as crianças a praticar judo ou outra modalidade desportiva qualquer.” Além disso, recorrer à meditação para mascarar a ansiedade em crianças só vai aumentar o problema, uma vez que não se procuram as causas do mal-estar. É pura utopia, portanto, a frase posta na boca do atual Dalai Lama de que “se todas as crianças de oito anos aprendessem a meditar, desaparecia a violência no mundo, em apenas uma geração.”
E o pior é quando se chega ao nível do dano. Trabalhos recentes têm vindo a mostrar que, para algumas pessoas, a meditação pode até ser perigosa. “É preciso que as pessoas tenham consciência disso.”
Um dos trabalhos mais relevantes nesta área tem sido conduzido pelo investigador em estudos religiosos Jared Lindahl, da Universidade de Brown. Depois de entrevistar cem pessoas que praticam meditação, e que orientam a prática, o investigador recolheu diversos relatos de eventos inesperados. Um muito comum é a hipersensibilidade à luz ou ao som, e também insónia ou movimentos involuntários do corpo. Experiências emocionais complicadas também foram descritas, como medo, ansiedade ou uma perda generalizada de emoções.
Não é de estranhar. Um dos modelos de meditação implica fazer um retiro de dez dias, num local isolado, sem proferir uma palavra ou cruzar o olhar com outra pessoa. Há casos de pessoas que desenvolvem surtos psicóticos ou entram em depressão profunda. “Durante as entrevistas, algumas pessoas aperceberam-se, pela primeira vez, de que não estavam sozinhas”, relata Jared Lindahl, na página daquela universidade americana. Mas mais do que isso, o investigador, que trabalha com o professor do departamento de psiquiatria da mesma instituição, Willoughby Britton, espera que estes estudos sirvam para mostrar a quem medita e sente efeitos adversos que não são caso único. “Num contexto social em que a meditação é sempre apresentada como tendo apenas resultados positivos, as pessoas que meditam podem sentir-se estigmatizadas e isoladas se passam por um problema”, conclui Willoughby Britton.