Portugal é um dos países da UE mais vulneráveis aos efeitos resultantes de um sistema climático em mudança, sendo claro que as alterações climáticas e os seus impactos – no ritmo e severidade dos fenómenos meteorológicos extremos – nos afetam já no presente.
E se, para limitar tais impactos, há que reduzir ativamente as emissões de gases de efeito de estufa (GEE), em particular as provenientes do setor energético, temos de estar conscientes que, por mais progressos que façamos na mitigação dessas emissões, já não é possível reverter alguns desses efeitos.
Não basta descarbonizar a energia, por mais decisivo que isso seja. Precisamos de adaptar o nosso modo de vida.
Temos necessariamente de alterar os nossos sistemas de produção e de consumo. Persistir numa economia linear, intensifica os riscos derivados da escassez de recursos e acarreta uma pesada fatura climática. E um e outro já fazem sentir os seus efeitos.
A transição de uma economia linear para um modelo económico circular, neutro em carbono e hidricamente eficiente, implica uma transformação social e comportamental que vise a melhoria e sustentabilidade dos processos de produção, mantendo o valor de produtos ao mesmo tempo que aumenta o seu tempo de vida útil.
A circularidade representa igualmente uma oportunidade para a melhoria do desempenho ambiental da atividade económica, induzindo novos negócios, tornando-a mais sustentável e criadora de mais e melhor emprego.
Consciente desta realidade, Portugal desenvolveu o seu Plano de Ação para a Economia Circular (PAEC, de 2017), onde define a estratégia nacional para a mudança do paradigma económico de linear para circular, assente na redução da produção de resíduos e nos conceitos de reutilização, reparação e renovação de materiais e energia, promovendo, simultaneamente, a criação de emprego, o crescimento económico e a justiça social.
E assumiu o compromisso de atingir a neutralidade carbónica até 2050, enquanto contributo para os objetivos europeus e globais assumidos no Acordo de Paris, metas vertidas no Roteiro para a Neutralidade Carbónica (RNC 2050).
Com base no RNC 2050 foi desenvolvido o Plano Nacional Energia e Clima 2030 (PNEC 2030), que constitui o principal instrumento de política energética e climática nacional e define as nossas metas para a próxima década, que sendo ambiciosas, são exequíveis, se o envolvimento da sociedade for conseguido.
Descarbonizar o modo de vida, valorizar o território e os seus habitats e avançar para uma economia mais circular, por via de uma estratégia colaborativa e próspera e que assegure uma transição justa e inclusiva são os pilares da política ambiental adotada por Portugal.
E para este desafio, o país conta com as suas comunidades, singulares ou coletivas, públicas ou privadas, de qualquer atividade económica, para que, ajustando os seus modos de vida e/ ou modelos de negócio, contribuam decisivamente para alcançarmos as metas previstas nas políticas públicas no domínio da descarbonização, da transição energética e da economia circular.
E naturalmente conta com o setor da água.
Os setores económicos, onde se inclui a gestão da água, confrontam-se com desafios que decorrem das principais metas no âmbito das emissões dos GEE, definidas com base no RNC 2050 (de 2019), no PNEC 2030 (de 2020) e na Lei de Bases do Clima (de 2021).
- Uma redução de emissões de GEE de, pelo menos, 90% até 2050, face a 2005;
- Uma trajetória de redução de emissões que, face a 2005, assegure:
- Uma diminuição de, pelo menos, 55% até 2030,
- Uma diminuição de, pelo menos, 30% até 2030, no setor das águas residuais, e
- Uma diminuição entre 65% e 75% até 2040;
- A compensação das restantes emissões através do sequestro de carbono com o uso do solo e das florestas.
Na transição energética, os desafios à economia, e que naturalmente abrange o setor da água, apontam para:
- Prioridade à redução do consumo de energia, alcançando uma meta de eficiência energética de 35% até 2030, face a 2005;
- Aposta relevante na produção de energia renovável, atingindo 80% de renováveis na produção de eletricidade até 2030 (o Programa do atual Governo veio antecipar esse objetivo para 2026);
- Incorporação de 47% de energia de fontes renováveis no consumo final bruto de toda a energia até 2030.
E fica claro que os desafios para o setor da água são imensos.
O Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais 2030 (PENSAARP 2030), que esteve até há pouco tempo em fase de consulta pública, refere que se estima que o setor consuma atualmente cerca de 1.080 GWh/ano de energia elétrica (2,5% do consumo elétrico nacional) e tenha uma produção própria de energia renovável próxima dos 48 GWh/ano (uma autossuficiência baixa de 4,4%).
Esse plano estima em mais de 800 milhões de euros o volume de investimentos em resiliência, modernização e descarbonização (233 milhões de euros em sistemas de titularidade estatal e 572 milhões de euros em sistemas municipais), que corresponde a cerca de 12,2% do investimento total estimado para o setor da água até 2030 (cerca de 6,6 mil milhões de euros).
Se tivermos em linha de conta as metas relativas à transição energética (eficiência energética de 35% e 80% de renováveis na produção de eletricidade até 2030) versus os valores de consumo referidos no PENSAARP 2030, fica clara a dimensão do esforço que está a ser exigido ao setor da água.
E se nos focarmos no objetivo de reduzir em 30% as emissões de GEE provenientes das águas residuais, o desconhecimento da magnitude do impacto, assume, no mínimo, uma complexidade que preocupa.
Urgente mesmo é inventariar as emissões de GEE resultantes das atividades do setor e identificar as capacidades endógenas disponíveis para a produção própria de energia renovável.
Só com este conhecimento podem ser desenhados projetos/programas que possibilitem caminhar no sentido da neutralidade energética e carbónica no setor da água.
E é urgente porque é nesta década que deverá ser realizado o maior esforço para uma efetiva redução das emissões de gases com efeito de estufa, assumindo metas ambiciosas nos domínios da eficiência energética, das energias renováveis e da economia circular, garantindo uma transição justa, inclusiva e, sobretudo, de sucesso.
Face à dimensão do desafio, tem de ser possível concertar vontades, alinhar políticas e planear financiamentos e incentivos, mobilizando um conjunto de instrumentos legais, capazes de promover o investimento, a inovação e o emprego, mas também a sustentabilidade dos territórios.
Sendo a água um dos bens essenciais à vida, as entidades do setor estão obrigadas a um envolvimento empenhado e apaixonado na construção e monitorização continuada de iniciativas/ ações que permitam alcançar as metas a que o país se comprometeu, mas, principalmente, que permitam reduzir vulnerabilidades e aumentar a resiliência climática das nossas comunidades/ sociedades face a um clima que será seguramente cada vez mais incerto, adverso e extremo.