Num mês, os caçadores suecos mataram 54 lobos, o que fez deste abate um dos mais controversos de que há memória no país. Por um lado, revoltou muitos dos que defendem a conservação das espécies; por outro, deixou satisfeitos muitos agricultores, que encaram os lobos como predadores, por ameaçarem os rebanhos.
A Comissão Europeia, entretanto, abriu processos contra a Suécia por terem sido excedidos os valores permitidos de abate, violando as diretrizes da União Europeia, uma vez que a população de lobos não terá atingido um nível que garanta a sua preservação. O governo sueco autorizou o abate de 75 animais em 2023, mais do dobro do ano anterior.
Em 2021, segundo uma estimativa dos agricultores suecos, 340 ovelhas foram mortas por uma população total de 460 lobos. Kjell Arne Ottoson, um deputado democrata-cristão, tem alertado para o problema: “Os lobos são uma ameaça para aqueles que vivem em áreas rurais.”
Os cientistas dizem que, para manter uma população saudável, o número de lobos que vivem entre a Suécia e a Finlândia não deve estar abaixo dos 500. A Agência de Proteção Ambiental da Suécia disse que são necessários pelo menos 300 indivíduos para evitar a endogamia prejudicial.
Desde que a caça foi autorizada, a escala de abate tem alarmado aqueles que defendem a conservação das espécies. É o caso de Tea Törmänen, bióloga finlandesa e diretora executiva da RePlanet, uma organização não governamental de ambiente (ONGA) que procura soluções baseadas na ciência para as alterações climáticas e o colapso da biodiversidade. “Não concordamos com esta decisão. A população de lobos na Suécia tem uma densidade populacional muito baixa. Há estudos que indicam que a Suécia deve ter uma população maior para garantir um maior nível de diversidade genética.”
A diretora da RePlanet defende que as decisões dos governos sueco e finlandês afetam toda a região da Escandinávia. Para garantir a variedade necessária de modo a sustentar uma população saudável, urge haver uma migração equilibrada entre a Suécia e a Finlândia, diz a bióloga. E acrescenta: “Estes grandes predadores representam uma parte importante do ecossistema.”
Com o intuito de reduzir as perdas dos agricultores, a RePlanet lançou um projeto: SusiLife. A solução consiste em utilizar cercas especiais para a proteção dos rebanhos, de forma a manter os lobos e outros eventuais predadores afastados. Outra das medidas apresentadas pela ONGA assenta no uso de um equipamento especial para cães de caça, evitando possíveis ferimentos, no caso de serem atacados por lobos.
Tiago Domingos, professor de Ambiente e Energia no Instituto Superior Técnico, defende que, do ponto de vista da conservação, a decisão da Suécia não faz sentido, pois “estamos a lidar com um ecossistema que não está a funcionar na totalidade”.
Assumindo que o problema dos predadores se está a agudizar devido aos danos provocados nos rebanhos, o que também acontece em Portugal, sustenta que a solução é socioeconómica. “É preciso garantir que os agricultores são recompensados pelos danos que os lobos provocam, o que não tem acontecido em Portugal, pois o processo é excessivamente demorado.”
Essa compensação está prevista na lei, mas, segundo o professor do Técnico, “a administração portuguesa não consegue compreender o tempo que os agricultores perdem, que se traduz em custos que nunca serão pagos”.
Um problema existente em Portugal, continua, assenta no facto de ser preciso demonstrar que os danos foram, de facto, provocados por lobos: “Temos um problema que remete para a existência de cães assilvestrados”. Os cães assilvestrados são cães que já foram domésticos e representam um perigo acrescido para os agricultores que se movimentam, maioritariamente, em matilhas. “Se existem cães silvestres que andam a matar animais, isso é uma falha do Estado. O agricultor deveria ser compensado financeiramente, quer pelo lobo, quer pelo cão”, segundo Tiago Domingos.
Supondo que os lobos estão de facto a causar um dano significativo aos rebanhos, Tiago Domingos propõe outra alternativa para evitar o abate destes animais, além da recompensa adequada aos agricultores: aumentar as presas naturais do lobo.
Por fim, no que diz respeito à coexistência entre os lobos e os agricultores, o académico defende que é um aspeto necessário. “Quando havia mais lobos, era normal recorrer a cães de guarda equipados com uma coleira com espigões de ferro, facilitando a proteção em caso de ataque por parte dos lobos”, explica. É, por isso, crucial recuperar as soluções tradicionais, treinando os animais para a proteção de gado, defendendo que esta solução pode ser aplicável tanto no caso português como no sueco.
O lobo-ibérico, uma subespécie do lobo comum, é protegido por lei. Calcula-se que haja um total de dois mil indivíduos na Península Ibérica, dos quais cerca de 300 em Portugal. Está agora a ser finalizado um censo da população de lobos no país, 20 anos depois do último. Os resultados ainda não são conhecidos, mas tudo aponta para uma subida do número destes animais.