Muita gente crescer com a convicção de que o lince-ibérico estava condenado a desaparecer. A certa altura, pura e simplesmente já não existia em Portugal, e os poucos que ainda havia em Espanha já não eram suficientes para garantir a continuidade da espécie. Mas os dois países decidiram juntar-se e fazer um último esforço para salvar o lince. E a verdade é que o nosso pequeno tigre recuperou e até já subiu um degrau na escala de vulnerabilidade: passou de criticamente em perigo para em perigo.
“Quando comecei a trabalhar com esta espécie, havia 94 linces no mundo. Neste momento, Silves, sozinho, já produziu 109”, diz Rodrigo Serra, diretor do programa ibérico de criação do lince (que inclui o CNRLI e três centros espanhóis, mais um associado no Zoo de Jerez)), à VISÃO VERDE. “No final de 2919, já havia 855 animais. Esperamos chegar aos 1000, ou muito perto disso, quando tivermos os resultados do censo de 2020.”
O felino mais ameaçado do mundo já subiu mesmo um degrau na escala de vulnerabilidade. “Conseguimos passar o lince de criticamente ameaçado a apenas ameaçado, o que é uma grande vitória”, congratula-se Rodrigo Serra. “Mas não chega. Temos de passá-lo a vulnerável e a pouco preocupante. Há todo esse trabalho pela frente. Faltam uns bons anos de recuperação. Estamos a meio caminho, mas os resultados são muito animadores.”
João Alves, coordenador do projeto de recuperação em Portugal (que é responsabilidade do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, ICNF), sublinha que, atendendo aos números de animais existentes no início do século XXI, o lince não sobreviveria sem os projetos de recuperação em curso. Mas é um esforço diário e que envolve muita gente. “Os parques naturais não são do Estado”, lembra. “Temos de sensibilizar os proprietários e produtores florestais, para conseguir o habitat natural para que o lince possa ser libertado e sobreviver.”
Um importante sinal do sucesso chegou em 2016, com a primeira reprodução em natureza de linces em Portugal. Mas há desafios constantes. “É uma longa maratona”, continua. Um dos problemas tem sido a população de coelho-bravo, que tem vindo a oscilar, ainda que neste momento esteja aparentemente em recuperação. “Se as fêmeas não tiverem alimento suficiente, a taxa de reprodução baixa. Mas o lince tem-se adaptado e socorrido de outras fontes de alimento.” Está em curso um projeto conjunto de Portugal e Espanha para recuperar o coelho.
Festas? Má ideia
Um dos trabalhos mais importantes no CNRLI é preparar os animais para sobreviverem no exterior. Felizmente, a tarefa está facilitada pelo facto de terem um instinto muito forte e progenitores que os ensinam a caçar. Aos técnicos do centro cabe manterem-se o mais possível fora da vista. “Não queremos que estes animais se habituem a ver pessoas, nem que as associem à comida”, explica Rodrigo Serra. Para isso, contam, por exemplo, com “um sistema de túneis por onde saem os coelhos e uma equipa que estuda o comportamento deles 24 horas por dia”, para confirmar que usam as técnicas de caça certas. “Os animais saem daqui com condições para sobreviver.”
Há, claro, que lutar contra a vontade de tratar destes felinos como se fossem animais de estimação, por mais belos que sejam. “Quem trabalha com os linces gosta de ter contacto com eles. Mas estes animais não são particularmente amigáveis. Não é um animal que se consiga fazer uma festa sem depois levar pelo menos uns dez pontos num sítio qualquer. Um lince adulto ou não permite tal brincadeira ou vai fazer pagar arduamente quem arriscar fazê-lo”, avisa o coordenador do CNRLI. “O nosso foco é criar linces que tenham boas hipóteses de sobrevivência na natureza. Nenhum técnico quer ser responsável por um lince que se perca mais tarde porque estava habituado a pessoas.”
Em Portugal, até agora, só houve uma situação de um lince que preferia galinhas a coelhos, garante João Alves. “O lince foi capturado e levado para outro local.” A grande preocupação continuam a ser os atropelamentos. No nosso território, já morreram dessa forma “9 ou 10 animais”, o que é pouco comparado com Espanha, onde “a taxa de mortalidade por atropelamento é maior”. Ainda assim, há um ponto negro identificado: uma reta na EN122, onde já morreram 3 linces e outro ficou ferido. “Já foi aí instalada sinalização vertical e horizontal, e sensores de velocidade, que também foi reduzida para 50 km/h, e foram colocadas vedações para evitar que eles atravessem pela estrada, e atravessem antes por passagens hidráulicas. “Mas por vezes os linces eles não seguem as nossas indicações…”
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