Viajei por Moçambique este verão. Passei por Maputo, Beira, Gorongosa, Tofo, Vilanculos e Ilha de Moçambique. O registo não foi propriamente o de turismo, já que se tratou de uma viagem que também serviu de inspiração para um doutoramento que começo este mês. Informalmente, visitei projetos de cariz social e ambiental, e falei com um leque diverso de pessoas.
Se houve um tema comum a diversas conversas, foi o da dificuldade em assegurar que as comunidades e territórios locais, que justificam a presença de diversas instituições e fundos internacionais de apoio ao desenvolvimento, beneficiam efetivamente do capital disponível. Ora, tal parece não estar a acontecer devido a dois tipos de corrupção: uma ilegal, por parte de políticos locais, e outra mais discreta e geralmente legal, por parte das próprias instituições internacionais.
Relativamente à corrupção praticada por políticos locais, nada há a acrescentar ao que já se sabe. Eu próprio cheguei a ser assediado por agentes da autoridade, que me pediam “refrescos”. Trata-se, contudo, de algo suficientemente bem documentado, o que já não acontece com o outro tipo de “corrupção”, a praticada pelas instituições internacionais, e na qual coloco aspas por ser sobretudo de cariz moral, não tanto legal.
É bom ter presente que as instituições internacionais de apoio ao combate à pobreza e à valorização ambiental são na generalidade financiadas por fundos públicos. É, por exemplo, o caso do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP), do Banco Mundial, do Banco Africano de Desenvolvimento, da Comissão Europeia e de fundos como o Green Climate Fund.
Ora, como é que estas instituições são agentes de uma corrupção de veludo? Alocando uma parte substancial do capital que deveria servir para financiar as suas missões à remuneração das suas equipas e de consultores pagos a peso de ouro.
Vejamos1:
– A remuneração média anual base líquida de cargos executivos de direção em instituições como o UNEP, o UNDP, o Banco Mundial e o Green Climate Fund ascende a cerca de 250 mil euros, sendo que a dos seus líderes ascende em muitos casos a mais de um milhão de euros;
– O batalhão de consultores externos contratados por estas instituições, que apoiam os projetos, desde a fase de planeamento, à de avaliação final, facilmente recebem valores diários que variam entre os mil e os três mil euros. Ou seja, um mês com 22 dias úteis, daria uma remuneração entre os 22 e os 66 mil euros.
Obviamente, aos valores pagos a quadros técnicos e consultores, há a acrescentar várias outras despesas avultadas, bem como a frequente venda de tecnologia “ocidental”, assim o projeto o exija. Ou seja, chega muito pouco aos destinatários finais, que afinal de contas justificam a presença destas instituições e iniciativas.
Acresce que, se compararmos os seus padrões de remuneração com os valores médios dos salários em Moçambique, chegamos a múltiplos absurdos. Por exemplo, o salário médio mensal do cargo de gerente não chega a 500 euros, o que equivale à remuneração de uma manhã de um consultor internacional. É neste tipo de assimetrias que começam as desigualdades sociais e prosperam os sentimentos de injustiça e instrumentalização. Há quem invoque uma espécie de neocolonialismo paternalista e se queixe de servir de alibi para o grande festim “ocidental”.
Ainda por cima, em muitas zonas o custo da habitação e de vários serviços aumentou, devido à presença de expatriados com elevado poder de compra. Em suma, muitos chegam a Moçambique com o intuito de apoiar o seu desenvolvimento sustentável e involuntariamente acabam por prejudicar as populações locais, nomeadamente, a classe média. Não é preciso ler Chomsky para perceber o absurdo de tudo isto.
1 Fontes: www.impactpool.org/jobs/830055; www.greenclimate.fund/sites/default/files/decision/b06/decision-b06-03-b06-a2.pdf; www.glassdoor.com/Monthly-Pay/Green-Climate-Fund-Consultant-Monthly-Pay-E1152981_D_KO19,29.htm; www.comparably.com/companies/the-world-bank/executive-salaries; https://jobs.unicef.org/es/listing/?jobnotfound=true; www.salary.com/research/company/the-united-nations-environment-programme/executive-director-salary?cjid=5176363; www.eenews.net/articles/meet-the-top-paid-green-group-bosses/