Na mensagem mais pujante que ouvi na recente Conferência da Década do Oceano, em Barcelona, um representante dos povos indígenas canadianos inspirou uma imensa plateia a olhar para o oceano global como um ser vivo, que é preciso conhecer, para depois respeitar e proteger.
A humanidade ainda é ambígua acerca do mar. Falamos muito de alterações climáticas, mas omitimos o papel decisivo do oceano. Preocupamo-nos com a poluição marinha e a biodiversidade, mas contribuímos, através das nossas sarjetas e esgotos, para um mar com mais plástico do que peixe. Classificamos a eletricidade produzida nas barragens como sustentável como se a falta de areia nas nossas praias não começasse nelas. Esquecemo-nos de que não há verde sem azul ou de que o melhor é dizer “o oceano” e não “os oceanos”.
Portugal orgulha-se de um passado com o mar em fundo. A maioria vive no litoral e poucos concebem férias sem praia. Somos campeões do consumo de peixe. No entanto, poucos receberam educação formal sobre a influência do oceano sobre si e a sua influência sobre o oceano. Isto é, apesar de nos autoproclamarmos como país marítimo, a literacia do oceano ainda não faz parte dos programas curriculares do ensino obrigatório.
Porque é que isto importa? Se não formarmos cidadãos que entendem o que está no início dos problemas do ecossistema que assegura metade do ar que respiramos, que é o maior reservatório de carbono que temos para mitigar as alterações climáticas, que pode ser uma das principais fontes de proteína animal e que nos dá a base para muitos fármacos, como podemos tomar atitudes informadas e responsáveis sobre o oceano e fazer a nossa parte na resolução dos seus problemas?
Introduzido no início dos anos 2000, o conceito de literacia do oceano tem vindo a evoluir, sobretudo como mecanismo para a mudança na Década do Oceano das Nações Unidas. Uma pessoa com literacia do oceano não só compreende os conceitos fundamentais da geologia, física, química e biologia do oceano, como sabe encontrar e avaliar informação credível sobre o assunto, consegue comunicar de uma forma clara e é capaz de tomar decisões com impacto positivo no mar, convertendo conhecimento em ação.
Qualquer pessoa pode — deve — possuir literacia do oceano. Independentemente da sua nacionalidade, escolaridade, viver no litoral ou interior, profissão ou classe socioeconómica, todas as pessoas beneficiarão com a literacia do oceano. Podem até, através ciência cidadã, ajudar cientistas a obter dados e a direcionar a ciência para os seus problemas, influenciando decisões políticas.
Um caminho é o da educação. Na Escola Azul temos um programa de literacia do oceano que já deu resultados encorajadores, mas que não chega a todo o País, apesar de ser referência internacional. Associações e movimentos locais de voluntários criaram inúmeras iniciativas que ajudam a chegar a parte da população, mas não possuem recursos para um alcance alargado.
Pode Portugal afirmar-se como um país marítimo cujo impacto no meio marinho começa na literacia do oceano? O que falta para aumentarmos a perceção coletiva sobre o mar? Será que só chegamos aos mais novos? Passámos a ideia de que literacia do oceano se resume a mostrar limpezas de praia nas redes sociais? Como podemos influenciar eleitores, governantes, jornalistas e comentadores políticos a debater mais o mar? Podemos estar satisfeitos quando apenas um em oito partidos com assento parlamentar menciona a literacia do oceano no seu programa eleitoral?
A educação é fundamental para construir o futuro de um país e da sociedade. Precisamos de uma estratégia e recursos para um objetivo claro: a inclusão da literacia do oceano no ensino obrigatório de todos os países. Em Portugal, se queremos ser — e não apenas proclamar — líderes no conhecimento, na proteção e na exploração sustentável do oceano, é essencial educar para que a população contribua para esse desígnio sempre que ensina, estuda, compra, come, viaja, investe e vota.